A saída dos que nunca entraram...
Em sua III Assembléia Nacional, em 2007, a Consulta Popular deu passos decisivos em sua formulação estratégica. Ao enfrentar, os temas fundamentais do "Caráter da Revolução", "Poder e Estado", "Sujeito Social" e "Conceito de Organização", optou pelas concepções construídas no leito histórico do movimento revolucionário da América Latina, gerando inevitáveis tensões com os que temiam ou discordavam destes passos.
A "Carta de Saída do MST, MTD, Consulta Popular e Via Campesina", firmada por 51 militantes é uma expressão tardia destas definições.
Não é casual, que, em relação a nossa organização, 49, dos 51 signatários se afastaram gradativamente, a partir de 2007, deixando inclusive de se identificar e apresentar como Consulta Popular. É bom esclarecer que muitos sequer chegaram a participar de nossa estrutura orgânica.
Permaneceram é verdade nos movimentos de massa que agora deixam, disputando outra concepção, que os levou a um isolamento crescente e os empurrou para a atual atitude.
Verdade seja dita, nunca assumiram o Projeto Estratégico que agora afirmam ter abandonado. Alardeiam ter saído de algo em que nunca entraram. Peço perdão se estou sendo injusta com algum dos signatários, não conheço a atuação militante de todos (as). Mas dos que me recordo, jamais os vi defendendo o Projeto Popular.
Como militante da Consulta Popular, que participou de embates teóricos com diversos dos signatários da "Carta", nos anos de 2006 e 2007, no processo de preparação da III Assembléia, o que me deixa intrigada não é o fato de anunciarem sua saída, mas o de fazerem somente agora.
Com a exceção de um único signatário, que permaneceu participando de seu núcleo e sustentando suas posições, os demais evidenciam com sua atitude, que não fizeram antes por pretender travar uma disputa.
Conseqüentemente, usando a mesma lógica formal que apreciam tanto na teoria revolucionária, se fazem agora, quando as concepções do Projeto Popular estão mais fortalecidas do que nunca nas organizações, é por se sentiram derrotados. "Jogaram a toalha" como se diz no jargão esportivo.
E isso é bom, para ambos os lados. Deixam-nos prosseguir numa construção em que estamos animados, sem gastar energias num debate superado e lhes permite mostrar, finalmente, a que vieram.
O Socialismo Já é o Socialismo Nunca!
O conteúdo das críticas apresentadas pela "Carta" revela que sua divergência é com a atualidade das tarefas chamadas de "democráticas e populares" na estratégia da Revolução Brasileira.
Não casualmente, são incapazes de apontar qualquer reivindicação ou bandeira que expresse esse suposto programa imediatamente socialista que justifica a divergência.
Na verdade se identificam com uma concepção estratégica que não é nem um pouco nova, esteve presente e foi vencida em todos os processos revolucionários triunfantes do século XX, sobrevivendo apenas na teoria e em debates acadêmicos, agora ressuscitados neste momento de rearranjo da esquerda brasileira.
A tese central parte de uma lógica formal impecável. Se o desenvolvimento capitalista completou-se, a conseqüência imediata e direta é que o programa da revolução é a socialização dos meios de produção e qualquer outra medida estaria contra o avanço histórico. Em suas palestras e cursos de formação, enumeram os inegáveis avanços do capitalismo no Brasil, para então concluir que um programa socialista está colocado e não se viabiliza por existirem correntes atrasadas que impedem sua propagação.
Seria uma lógica invencível, se pudéssemos tratar a luta de classes como os mesmos conceitos da engenharia civil. Seu erro principal, que a leva a negar exatamente a essência do marxismo é que despreza o processo histórico de formação, as relações culturais e as experiências acumuladas.
Para os adeptos desta lógica formal, tudo se reduz ao desdobramento interno de um modo de produção, segundo uma lógica dada e prevista. Os homens passam a ser, no máximo, coadjuvantes de sua própria história, definida estritamente pela economia. Para Marx, contudo, a história não é um fator desprezível, que se resume a um conjunto de fatos a serem pinçados para provar uma teoria. Ao contrário, a história é elemento constitutivo da própria teoria.
Para a teoria em que se assenta a "estratégia do Socialismo Já", tudo o que não diz respeito ao movimento lógico do modo de produção é mistificação. Não há povos, não há culturas, não há memórias, não há nações, não há espaços geográficos, não há idéias, não há instituições, não há línguas, não há diferentes formas de sociabilidade, enfim, não cabem as contradições da realidade. O processo histórico é um elemento desprezível. Uma ilusão. A superação ocorre sem nenhuma ligação com o que foi superado.
Que falta lhes faz um Curso de Realidade Brasileira!
Evidente que se o capitalismo avançou isso possibilita, estruturalmente, uma transformação de caráter socialista em nosso país. Disso não temos dúvidas. Afirmamos claramente na Consulta Popular que o caráter de nossa revolução é socialista. Porém, isso não significa que o programa de transformações estruturais cujas contradições possibilitam a luta pelo poder, seja constituído de reivindicações socialistas.
Esta é a grande diferença entre a estratégia presente nas revoluções triunfantes do século XX, e as concepções do "Socialismo Já".
Raciocinam como uma mecânica que não admite intermediações. Se o capitalismo se completou as reivindicações serão de socialização dos meios de produção. E pronto. Quando se deparam com as mediações existentes em qualquer processo real se desconcertam, apoiando-se num discurso doutrinário, eficaz para debates acadêmicos e mesas de bar, mas inútil para a complexa luta de classes.
Nesta lógica formal, estaríamos assistindo as bandeiras de socialização dos meios de produção emergindo poderosas nos países desenvolvidos, especialmente com a intensa crise que atinge os EUA e as grandes economias européias.
Assim como as assistiríamos surgindo nos países menos desenvolvidos da cadeia capitalista internacional, pois sendo partes integrantes dela, se subordinariam à mesma lógica.
Porém, nem as análises de conjuntura vislumbram isso e o processo histórico desmente cabalmente essa conclusão.
Por quê?
Ora, responderão os adeptos do "Socialismo Já", isso não acontece porque existem traidores, que se recusam a assumir o programa socialista!
Aqui chegamos ao cerne da questão, onde a lógica formal desmonta-se como um castelo de cartas.
As bandeiras ou reivindicações que integram um programa não são determinadas pelo desejo dos revolucionários, mas por contradições efetivamente existentes que geram mobilizações.
Em outras palavras, a bandeira histórica de Reforma Agrária não nasce apenas da vontade dos aguerridos lutadores que tiveram o heróico papel de construir o MST, mas de uma contradição concreta, vivenciada por milhões de pessoas, que pode ser compreendida no estudo de nosso processo histórico. Sem compreender isso, jamais conseguiremos explicar a razão de milhares de canavieiros assalariados rurais da zona da mata nordestina, verdadeiros proletários rurais, mobilizarem-se pela conquista da propriedade da terra e não pela sua socialização.
Eis por que, o argumento que desconcerta os adeptos da estratégia do "Socialismo Já" é desafiá-los a apresentar seu programa.
Aliás, quais são as medidas do Programa Democrático Popular que não aceitam?
- O Direito ao ensino público e gratuito em todos os níveis para todos, com a proibição de o Estado destinar verbas para escolas privadas?
- A Criação de um sistema único de saúde estatal, público, gratuito, de boa qualidade, com participação, em nível de decisão, da população, por meio de suas entidades representativas; estatização da indústria farmacêutica?
- A Estatização dos serviços de transportes coletivos?
- A Estatização da indústria do cimento, para viabilizar um vasto programa de construção de habitações populares?
- A Estatização dos grandes veículos de comunicação de massa?
- A Estatização do sistema financeiro, garantindo crédito ao pequeno e médio produtor agrícola e industrial?
- A Reforma agrária sob controle dos trabalhadores, com fixação de módulo máximo da propriedade rural regional e definição de planos agrícolas com a participação dos trabalhadores?
- A Reforma urbana que assegure o direito de todos à moradia, com desapropriação de terras ociosas a baixo custo e pagamento a longo prazo, além de financiamento da casa própria à população, sem juros e compatível com a renda familiar?
Respondam!
Digam quais são suas alternativas a essas bandeiras? Onde construíram lutas em torno dessas alternativas? Onde construirão?
Afinal, quais são as medidas, diferentes do Programa Democrático Popular, que integram o tal Programa Socialista?
Onde podemos encontrar esse outro Programa que defendem?
Por que, mesmo os mais brilhantes acadêmicos que defendem essa teoria silenciam sobre esses pontos?
A resposta é simples. São incapazes de fazê-lo. Alteram apenas o nome do "programa", mantendo as mesmas reivindicações. Ou então, apresentam bandeiras inexeqüíveis, como a socialização das terras e atribuem sua inexistência a responsabilidade daqueles que não compreendem o "verdadeiro programa socialista".
Ou, o que é ainda pior, reduzem seu Programa Socialista a meras reivindicações de combate à corrupção e de construção de ética na política, convertendo-se em professores de moral para os capitalistas, a quem buscam livrar do mal, amém.
Aproveitam-se do fato do governo petista ter deixado de sustentar seu histórico programa de 1987, que se denominava "Democrático e Popular", para simplesmente tergiversar.
Polemizam na verdade com o nome "democrático popular" e não com seu conteúdo. Poderia ser apenas uma divergência de nomes, mas não é. Pois dessa assertiva tiram conclusões que inviabilizam a construção do amplo leque de alianças, estreitam o que não precisa ser estreitado, enfraquecendo-se diante de um inimigo poderoso. Não aprenderam sequer os rudimentos de uma política revolucionária.
Pensando a partir de nossa estrutura social, quais são as classes ou setores de classes que vivenciam contradições estruturais com o capitalismo e compõem potencialmente as forças da revolução brasileira?
Esse amplo leque de forças se aglutina em torno da bandeira de socialização dos meios de produção?
Isolaremos o proletariado destas alianças? As consideramos desnecessárias?
Estas são as questões que se colocam para os que tratam a teoria revolucionária como a teoria da conquista do poder e não como espaço para o brilho de intelectuais da moda.
O projeto popular da revolução brasileira é a ruptura com o imperialismo, o direito e o dever do trabalho para todos, o aumento dos salários e a anulação das privatizações e controle do sistema financeiro, o acesso universal à educação pública, saúde e previdência pública de qualidade, a conquista da reforma agrária, a reforma urbana entre outros. Se alguém acredita, de boa fé, que tais medidas são insuficientes é por que está tão mergulhado no mundo dos desejos que não consegue olhar ao redor.
Um programa pode se desdobrar em diferentes plataformas táticas, dependendo das conjunturas, mas tem uma coerência indivisível. Suas medidas podem se acelerar ou não, dependendo da correlação de forças, do nível de consciências e de circunstancias imprevisíveis. Contudo, a questão central, será necessariamente a questão do poder e não das medidas que compõem o programa, muito menos de seu nome.
Portanto, polemizar, ainda que sobre o nome – o que seria ridículo – não é irrelevante.
O erro é grave. E se esquecem que a história não admite rascunhos e cobra um alto preço por deslizes na estratégia.
O grande perigo desta "teoria do Socialismo Já" é que busca se afastar da grande contribuição do pensamento leninista que permeou todas as revoluções triunfantes do século XX.
O conflito entre as classes sociais assume diferentes formas, para além daquelas diretamente econômicas. Aquelas diferentes formas estão relacionadas aos variados motivos que fazem da classe capitalista, a classe dominante em nossa sociedade: o controle dos principais meios de produção, dos centros de poder estatal e da comunicação de massa, entre outros.
Eis a razão da lógica formal ser tão atraente nos debates intelectuais e imprestável como ferramenta para atuar na realidade.
Ao secundarizar os processos históricos, ao afastar qualquer mediação com a formação social, ignorando as contradições efetivamente existentes, deslocam para um falso debate programático os problemas decorrentes da luta pelo poder. Com isso, afundam no debate doutrinário, perdendo, de fato, a capacidade de lutar pelo poder. Eis por que, a história nos fornece todos os exemplos para afirmar que o "Socialismo Já é o Socialismo Nunca!"
O conselho que lhes damos é que não parem seus estudos no Livro I do Capital, essencial para a teoria marxista, prossigam no restante da obra dos clássicos, estudem Lênin, estudem os processos revolucionários, dediquem-se a entender a formação social de nosso país.
E agora José?
Mas o trecho mais me intriga na "Carta de Saída" é o seguinte:
"Esse alinhamento político não ocorre sem conseqüências: operam-se mudanças decisivas nas formas organizativas e no plano de lutas das organizações, na formação da consciência de seus militantes e na postura que a organização tomará no momento de ascenso. Neste momento, as "forças acumuladas" não atuarão na perspectiva de ruptura".
"Compreender esta conformação da esquerda não significa afirmar a tese sobre o fim da história, e dizer que não há o que fazer. Ao contrário, é preciso atuar na fragmentação da classe para retomar seu movimento na perspectiva de ruptura. Nos propomos a permanecer com a classe, buscando construir a luta contra o capital, seu Estado, o patriarcado, por uma sociedade sem classes".
Os grifos são meus, e chamam a atenção para uma afirmação bem curiosa. Para que explicar isso? Do que estão culpados?
A teoria psicanalítica ensina que nos apressamos em desculpar daquilo que no fundo acreditamos.
Colocar-se diante de tarefas que a realidade não permite é uma forma de nos paralisar. Com seu equivoco, os signatários estão diante de três possibilidades:
- Aglutinar-se em pequenas seitas doutrinárias, dotadas da única verdade, que brandem um discurso válido para qualquer tempo e espaço geográfico, sem interferir na luta política;
- Abandonar tudo, assumindo exatamente o que se desculpam antecipadamente, pois "não há nada a fazer";
- Ter a coragem de fazer uma autocrítica e compreender o equivoco cometido.
Será que os que romperam com o MST conseguirão construir outro movimento de luta na questão agrária, dotado da tal "estratégia socialista"?
E os que romperam com o MTD? Conseguirão organizar um movimento de desempregados que socialize as fábricas?
E o que rompeu com o MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores), será capaz de convencer esse importante segmento social para que socializem suas propriedades?
Agora já não estão mais protegidos pelos bonés dos movimentos que abandonaram. E, convenhamos, não faltam famílias sem terra, não faltam desempregados em nosso país, e podem muito bem testar sua teoria na realidade. Será que farão isso?
Será que assistiremos o nascimento de um novo movimento de luta pela terra, dotado de uma reivindicação socialista?
Agora já não seremos os culpados. Poderão provar o acerto e a correção de sua teoria.
Os próximos anos dirão...
Fátima Sandalhel – Consulta Popular/SP
Date: Wed, 31 Oct 2012 22:05:42 -0700
From: luizmonstroufrj@yahoo.com.br
Subject: [MEEF] Carta de saída das nossas organizações (MST, MTD, Consulta Popular e Via Campesina) e do projeto estratégico defendido por elas
To: meef-nacional@googlegroups.com
Coletivo Marxista - http://coletivomarxista.blogspot.com/
Movimento Quem Vem Com Tudo Não Cansa
DCE-UFRJ
CAEFD
http://opoetaoperario.blogspot.com/
"O fato de que os "partidos trabalhadores burgueses", como um fenômeno político, já foram formados em todos os países capitalistas e que a menos que luta incansável e determinada seja empreendida contra estes partidos – ou grupos, tendências, que são sempre a mesma coisa – não há dúvidas de que não pode haver luta contra o imperialismo, ou pelo marxismo, ou pelo movimento operário socialista". (Lenin)
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