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Assunto: [adunb-l] ADUnB Informa - Texto do professor Frank Svensson - 18/01/13
Enviada: 18/01/2013 09:55
ADUnB Informa
Cumprindo
resolução da Assembleia, publicamos carta a seguir. O conteúdo dos artigos
assinados é de responsabilidade dos autores e não corresponde necessariamente à
opinião da diretoria da ADUnB.
A História da Universidade de Brasília será
incompleta omitindo a significativa presença de Heron de Alencar na formulação
da mesma.
Frank
Svensson
O projeto
da Universidade de Brasília é obra de muitos, mas quando do impasse de
configurá-la arquitetonicamente foi Heron de Alencar o principal assessor do
arquiteto Oscar Niemeyer para tanto. Arquitetura não foi limitada a ser
uma ação à posteriori de uma programação à priori. Com o
projeto original da UnB inaugurou-se um trabalho de concepção conjunta
programa/arquitetura. Nunca no Brasil havia se buscado com tamanho empenho o
conhecimento do imprevisível em matéria de uma universidade que se queria
parâmetro para uma Reforma Universitária no país.
O professor Heron de Alencar (em
cima) leciona mo Institute de Recherches de Pedagogie et Development
-
Sorbonne, Paris.
1964.
Desastroso foi esse enfoque haver sido impedido de ser
acompanhado por uma continua avaliação das implicações de sua aplicação,
configurando um processo de registro de resultados e de participação dos
usuários da UnB numa continuada e participativa projetação
arquitetônica.
Os
instrumentos para tanto foram previstos: Institutos em correspondência às
grandes áreas do conhecimento e da profissionalização, interdisciplinaridade,
interação teoria/prática, conselhos inter-profissionais e acadêmicos, uma
dinâmica de grupos de trabalho em substituição à esclerosada departamentalização
da antiga universidade, principio de decisões por frente-ampla etc.
etc.
O
pensamento dialético caracterizou os propósitos e as atuações dos primórdios da
UnB, mas os anos de chumbo escancararam as portas da universidade à
departamentalização e ao individualismo acadêmico.
Urge
resgatar a história desses propósitos iniciais e com isso também a biografia de
quem foi Heron de Alencar um intelectual orgânico e por isso mesmo discreto e
cauteloso ante as crescentes ameaças ao progresso de nosso país. Foi
forçado a exílio e faleceu em 1972 sem ter sido anistiado.
Tomo a
liberdade de anexar a seguir o necrológio que Oscar Niemeyer então também em
exílio escreveu sobre o irmão Heron ...
O IRMÃO HERON
Oscar
Niemeyer
(Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 27 jan.
1972.)
Paris -
Recebo do Rio a notícia da morte de nosso querido amigo Heron de Alencar e
sinto-me na obrigação de lembrar o grande amigo que se vai, depois de uma vida
de idealismo, decepções e esperanças.
Conheci Heron em Brasília, quando organizávamos a
Universidade do Distrito Federal. Juntos colaboramos nessa obra esplendida
que marcou um momento decisivo do ensino no nosso país, quebrando velhas
rotinas, preconceitos e normas superadas; abrindo para a Universidade um campo
novo atualizado e flexível, capaz de atender todas as solicitações da vida
brasileira.
Recordo seu entusiasmo e convicção com que lutava pelas
reformas indispensáveis, a clareza com que definia seus pontos-de-vista,
baseados em muitos anos de estudo e saber. E o fazia dentro de uma linha
política progressista, visando a grandeza de nossa pátria, sua independência
econômica e política. Infelizmente a incompreensão não permitiu o diálogo
indispensável e, pouco a pouco, seu entusiasmo transformou-se em desesperança e
amargura obrigando-o – com cerca de 200 professores – a abandonar a Universidade
de Brasília; levando-o, mais tarde, para o exterior para longe dos amigos e dos
problemas brasileiros que o absorveram e apaixonaram a vida
inteira.
Durante anos Heron permaneceu fora do Brasil, mas foi em
Paris, onde já atuara lecionando na Sorbonne. Que se instalou
definitivamente dirigindo o no IRFED, instituto criado pelo padre Debret,
instituto de pedagogia e desenvolvimento.
Perdera-o de vista por algum tempo, mas um dia o
trabalho que nos aproximara em Brasília voltou a nos unir no exterior. Era outra
vez o ensino que nos convocava; a Universidade de Constantine na Argélia. E a
ela nos dedicamos com o maior empenho e amizade.
Tratava-se de um país como o nosso, em vias de
desenvolvimento – sujeito também a pressões externas, mas em plena evolução
social, consciente de seu papel no Terceiro Mundo, mundo que cresce e se liberta
como uma imposição histórica.
Tudo isso deu às nossas tarefas maior relevância.
Levávamos para o estrangeiro um pouco da nossa cultura, dávamos ao estudante
argelino que não nos permitiam dar ao nosso irmão do
Brasil.
Lembro como iniciamos esse novo período de trabalho e do
dia que procurei Heron para elaborar o programa da Universidade de Constantine
já iniciada. Expliquei-lhe nessa ocasião meu projeto, solução radical que
idealizara em 1964 para a Universidade de Acra, reduzindo o campus universitário
a sete edifícios substituindo todos os prédios das faculdades por somente dois
blocos: o bloco de classes, destinado a aulas e anfi-teatro e o de ciências
destinado aos laboratórios. Encareci ao meu amigo as razões da solução adotada:
terreno preservado, eliminação de ruas, redução de blocos, distancias,
etc.
Contei-lhe como a elaborara sem um programa
definido, baseado apenas na minha experiência em Brasília, na minha intuição de
arquiteto, na explicação fácil e lógica, para mim irrefutável, que a ideia
oferecia. E fiquei satisfeito vendo-o concordar entusiasmado com o
texto que eu redigira nas vésperas de se iniciarem as obras, para atender
dúvidas que surgiam.
A partir desse instante Heron organizou sua equipe: Luis
Hildebrando Pereira da Silva, Euvaldo Matos, e Ubirajara de Brito. E em pouco
tempo apresentava o programa da Universidade, ratificando meu projeto e a obra
em andamento criando a universidade flexível e integrada que sempre imaginara. E
tal foi o nível da sua colaboração que o Ministro do Ensino Superior, Benyahia,
o convidou para atuar na reforma do ensino Recordo om satisfação essa
extensa faixa de trabalho e os seminários internacionais realizados em Argel,
nos quais Heron se impunha com o peso do seu saber, do seu raciocínio, e da sua
posição política atualizada.
E o seu campo de ação multiplicou-se. Juntos
projetamos mais duas universidades: a Universidade Científica de Argel, e com
Darci Ribeiro, a Universidade de Ciências Humanas, também em Argel.
Como nos velhos tempos de Brasília, os problemas do
ensino o apaixonaram novamente e a eles Heron dedicou-se com a mesma
perseverança, o mesmo idealismo. Recordo o dia em que, já enfermo, com o
braço paralisado, o encontramos a redigir com a mão esquerda um projeto de lei
que Benyahia solicitara. Que entusiasmo! Que exemplo nos dava o querido
amigo!
E foi com tristeza que acompanhamos diariamente, durante
meses, a evolução da sua doença, vendo-o superar, generoso, suas íntimas
suspeitas para nos dizer sorrindo: "desta vez ainda não me levam".
Infelizmente seu destino estava traçado e um dia o nosso
amigo seguiu para o Rio, sua última esperança.
Pela primeira vez, no aeroporto de Orly, o nosso irmão
deixou transparecer emocionado seu pessimismo. Receava não mais nos ver, e nós,
conscientes de tudo, sentíamos arrasados, que dele nos separávamos para sempre.
Perturbado fiquei a vê-lo de longe, na cadeira de rodas que o levou ao ponto de
embarque. E o triste mundo de Sartre – injusto e absurdo –envolveu-me mais uma
vez com seu pessimismo doloroso.
Contam-me do Rio seus dias derradeiros, recostado junto
a janela que abre sobre o parque da Casa de Saúde Dr. Éiras, onde se
internara. Olhava com tristeza as árvores e os pássaros como a se despedir
da Natureza que lhe fugia para sempre. Despedia-se da sua terra querida. Terra
que soubera amar e compreender.
Integra-se o velho companheiro no seu universo, universo
que tanto o atraía com seus mistérios e grandeza.
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