A Partida de Tênis (Texto de Carlos Mathias - Jornal Dá Licença 54, pg. 14 - UFF)
http://www.uff.br/dalicenca/images/stories/jornais/jornal54novo.pdf
Ainda hoje ouço os ecos de uma grande discussão envolvendo os "matemáticos puros" e os "educadores matemáticos", cujo auge se deu na década de 90 do século passado. Tais ecos ainda reverberam, nos dias de hoje, com muita persistência. No Brasil, há uma grande desarticulação entre as práticas curriculares que reúnem saberes "específicos" e saberes "pedagógicos", particularmente no que se refere aos cursos de formação de professores (Licenciaturas, Normal, Normal Superior, etc.). Muitos cursos de Licenciatura preservam o antigo modelo 3+1, disfarçadamente. Por isso, tal dicotomia sobrevive, enquanto causa e consequência.
Uma reclamação que constantemente ouço dos alunos que cursam a Licenciatura em Matemática, em todo Brasil, se coloca exatamente sobre a falta de articulação entre as disciplinas cursadas e o trabalho que desempenharão nas escolas. Algumas são exageradas e equivocadas, na minha forma de ver, mas são totalmente justificáveis, diante da pouca experiência profissional de quem as profere. No entanto, outras são extremamente justas e nos serviriam muito bem como balizadores de uma futura reforma curricular.
Há aquele ditado popular, sobre o "8 ou 80", que me parece ser bastante aplicável a diversas situações vividas no meio acadêmico, terra fértil para os discursos fundamentalistas, que são incapazes de construírem algo concreto que nos permita avançar. Metaforicamente, somos os espectadores de uma partida de tênis, entre o 8 e o 80. Uma partida de tênis é uma boa imagem, pois os espectadores movem apenas as suas cabeças, ao acompanharem a bola verde, hipnotizados. Ouve-se com limpidez os gemidos do 8 e do 80, ao darem suas raquetadas, e os ruídos irritantes das solas de seus tênis quando correm, de um lado para o outro.
No primeiro game, do primeiro set, o serviço é do 8.
(8): Saque: "Educação Matemática é para quem não sabe Matemática".
(80) Rebatida: "Matemático puro não tem namorada".
(8) Rebatida: "Educador matemático dá aula brincando de canudinho e massinha".
(80) Rebatida: "Ensinar análise real para quem dará aula no Ensino Fundamental...para quê?"
(8) Rebatida: "O mal do universo é causado pelos pedagogos, acabemos com eles".
(80) Rebatida: "Lá vai o fulano, especialista em hiperquadrados riemmanianos de curvatura negativa. Cheio de si, está indo para a Alemanha conversar com as únicas 3 pessoas no mundo que, além dele, sabem o que é aquilo".
Placar empatado (deuce): 40 – 40.
O jogo não avança: vantagem 8, deuce, vantagem 80, deuce... Um looping infinito, capaz de dar inveja ao Z4.
Sabem, sou fã do 44. Nesse momento, minha querida amiga Maria Emília Barcellos, profunda conhecedora de ditados populares, me diria: cuidado Mathias, gato em cima do muro toma pedrada dos dois lados. No caso da partida de tênis, seria gato em cima da rede toma bolada dos dois lados. Mas penso que uma forma bastante interessante, polida e educada de livrar-nos desse Z4 tão angustiante se daria, justamente, por meio de uma abordagem à rede. O 44. Lugar que, hoje, é ocupado pelo mito. Voltaremos a ele.
São fatos:
Há educadores matemáticos que sabem matemática, alguns são, até, doutores em matemática pura.
Há matemáticos puros felizes com suas companheiras, ou companheiros.
A Educação Matemática, assim como a "matemática pura" trata de assuntos não triviais que, sim, em alguns momentos são abordados por meio de materiais concretos (como canudos, cartolinas). Isso não é uma brincadeira de criança: se um matemático puro (ou qualquer pessoa) tiver um filho que nasça cego, que tenha dificuldades de aprendizagem/visualização em certos termos, ou não, poderá se surpreender com os resultados de atividades envolvendo tais materiais, que foram desenvolvidas em pesquisas tão credenciadas quanto às suas próprias. Talvez até gaste metade do seu salário em uma escola especializada, para que seu filho os manipule. Os gregos manipulavam materiais e instrumentos concretos, mas ninguém fala mal de Euclides, Eudoxo, ou Arquimedes.
A análise real é um dos cursos mais fundamentais ao futuro professor de matemática. Não por conta da nova perspectiva do rigor, mas sim pelo olhar criterioso sobre os conjuntos que ambientam boa parte da matemática construída na escola. Ainda que algum livro afirme que é irrelevante o que um número real seja, há outros livros, com outros perfis, que estão dispostos a encarar tal conceito, que é bastante espinhoso.
Historicamente, os cursos de pedagogia não possuem uma estrutura dedicada à matemática e ao seu ensino. A matemática, assim como as Ciências, se coloca em termos periféricos. Tal estrutura é um legado histórico, cujo teor é desconhecido por muitos. Portanto, para rediscuti-la, precisamos, antes, apreendê-la minimamente. Os maiores críticos dos "pedagogos" não sabem nada de pedagogia. O mito é a fronteira entre o medo e o desconhecido. O radicalismo se institui pelo mito, a essência da ignorância e da insegurança. O mito é a rede da quadra de tênis.
O colega que foi para a Alemanha estudar hiperquadrados riemmanianos de curvatura negativa está desempenhando sua tarefa: a expansão de suas pesquisas. Há alguns anos atrás, pesquisas que, aos leigos, tinham nomes "alienígenas" estão, hoje, nas máquinas de tomografia computadorizada e nos instrumentos de previsão meteorológica.
Tenho a clareza que será difícil livrar-nos dos mitos. Mas, talvez, com reflexão, humildade e alguns reais gastos com bons livros, possamos chegar a alguma situação do tipo "32 ou 56". Em um quadro menos extremo, a rede (44) seria um mito mais fraco.
Trocando em miúdos matemáticos: sendo 44 uma boa média, chegou a hora de reduzirmos o desvio-padrão. Jogar ping-pong, talvez?
Ainda hoje ouço os ecos de uma grande discussão envolvendo os "matemáticos puros" e os "educadores matemáticos", cujo auge se deu na década de 90 do século passado. Tais ecos ainda reverberam, nos dias de hoje, com muita persistência. No Brasil, há uma grande desarticulação entre as práticas curriculares que reúnem saberes "específicos" e saberes "pedagógicos", particularmente no que se refere aos cursos de formação de professores (Licenciaturas, Normal, Normal Superior, etc.). Muitos cursos de Licenciatura preservam o antigo modelo 3+1, disfarçadamente. Por isso, tal dicotomia sobrevive, enquanto causa e consequência.
Uma reclamação que constantemente ouço dos alunos que cursam a Licenciatura em Matemática, em todo Brasil, se coloca exatamente sobre a falta de articulação entre as disciplinas cursadas e o trabalho que desempenharão nas escolas. Algumas são exageradas e equivocadas, na minha forma de ver, mas são totalmente justificáveis, diante da pouca experiência profissional de quem as profere. No entanto, outras são extremamente justas e nos serviriam muito bem como balizadores de uma futura reforma curricular.
Há aquele ditado popular, sobre o "8 ou 80", que me parece ser bastante aplicável a diversas situações vividas no meio acadêmico, terra fértil para os discursos fundamentalistas, que são incapazes de construírem algo concreto que nos permita avançar. Metaforicamente, somos os espectadores de uma partida de tênis, entre o 8 e o 80. Uma partida de tênis é uma boa imagem, pois os espectadores movem apenas as suas cabeças, ao acompanharem a bola verde, hipnotizados. Ouve-se com limpidez os gemidos do 8 e do 80, ao darem suas raquetadas, e os ruídos irritantes das solas de seus tênis quando correm, de um lado para o outro.
No primeiro game, do primeiro set, o serviço é do 8.
(8): Saque: "Educação Matemática é para quem não sabe Matemática".
(80) Rebatida: "Matemático puro não tem namorada".
(8) Rebatida: "Educador matemático dá aula brincando de canudinho e massinha".
(80) Rebatida: "Ensinar análise real para quem dará aula no Ensino Fundamental...para quê?"
(8) Rebatida: "O mal do universo é causado pelos pedagogos, acabemos com eles".
(80) Rebatida: "Lá vai o fulano, especialista em hiperquadrados riemmanianos de curvatura negativa. Cheio de si, está indo para a Alemanha conversar com as únicas 3 pessoas no mundo que, além dele, sabem o que é aquilo".
Placar empatado (deuce): 40 – 40.
O jogo não avança: vantagem 8, deuce, vantagem 80, deuce... Um looping infinito, capaz de dar inveja ao Z4.
Sabem, sou fã do 44. Nesse momento, minha querida amiga Maria Emília Barcellos, profunda conhecedora de ditados populares, me diria: cuidado Mathias, gato em cima do muro toma pedrada dos dois lados. No caso da partida de tênis, seria gato em cima da rede toma bolada dos dois lados. Mas penso que uma forma bastante interessante, polida e educada de livrar-nos desse Z4 tão angustiante se daria, justamente, por meio de uma abordagem à rede. O 44. Lugar que, hoje, é ocupado pelo mito. Voltaremos a ele.
São fatos:
Há educadores matemáticos que sabem matemática, alguns são, até, doutores em matemática pura.
Há matemáticos puros felizes com suas companheiras, ou companheiros.
A Educação Matemática, assim como a "matemática pura" trata de assuntos não triviais que, sim, em alguns momentos são abordados por meio de materiais concretos (como canudos, cartolinas). Isso não é uma brincadeira de criança: se um matemático puro (ou qualquer pessoa) tiver um filho que nasça cego, que tenha dificuldades de aprendizagem/visualização em certos termos, ou não, poderá se surpreender com os resultados de atividades envolvendo tais materiais, que foram desenvolvidas em pesquisas tão credenciadas quanto às suas próprias. Talvez até gaste metade do seu salário em uma escola especializada, para que seu filho os manipule. Os gregos manipulavam materiais e instrumentos concretos, mas ninguém fala mal de Euclides, Eudoxo, ou Arquimedes.
A análise real é um dos cursos mais fundamentais ao futuro professor de matemática. Não por conta da nova perspectiva do rigor, mas sim pelo olhar criterioso sobre os conjuntos que ambientam boa parte da matemática construída na escola. Ainda que algum livro afirme que é irrelevante o que um número real seja, há outros livros, com outros perfis, que estão dispostos a encarar tal conceito, que é bastante espinhoso.
Historicamente, os cursos de pedagogia não possuem uma estrutura dedicada à matemática e ao seu ensino. A matemática, assim como as Ciências, se coloca em termos periféricos. Tal estrutura é um legado histórico, cujo teor é desconhecido por muitos. Portanto, para rediscuti-la, precisamos, antes, apreendê-la minimamente. Os maiores críticos dos "pedagogos" não sabem nada de pedagogia. O mito é a fronteira entre o medo e o desconhecido. O radicalismo se institui pelo mito, a essência da ignorância e da insegurança. O mito é a rede da quadra de tênis.
O colega que foi para a Alemanha estudar hiperquadrados riemmanianos de curvatura negativa está desempenhando sua tarefa: a expansão de suas pesquisas. Há alguns anos atrás, pesquisas que, aos leigos, tinham nomes "alienígenas" estão, hoje, nas máquinas de tomografia computadorizada e nos instrumentos de previsão meteorológica.
Tenho a clareza que será difícil livrar-nos dos mitos. Mas, talvez, com reflexão, humildade e alguns reais gastos com bons livros, possamos chegar a alguma situação do tipo "32 ou 56". Em um quadro menos extremo, a rede (44) seria um mito mais fraco.
Trocando em miúdos matemáticos: sendo 44 uma boa média, chegou a hora de reduzirmos o desvio-padrão. Jogar ping-pong, talvez?
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