O BRASIL vai ficar na rabeira dos índices PISA por pelo menos mais uns 20 anos, mas não pelos motivos que aparecem nas "análises" pífias e simplistas que se lê nos jornalões todos os anos, um constatacionismo barato e compatível com o nível de complexidade médio que os alunos brasileiros atingem no exame.
O primeiro equívoco é achar que se trata de algo novo ou resultado da política deste ou daquele governo. Há um problema de fundo e que não é de hoje, vem pelo menos desde os anos 1980 quando foram publicados os primeiros resultados de um exame internacional chamado TIMSS. Já naquela época ocupávamos os últimos lugares da lista (penúltimo) sempre a frente de algum país pobre na África ou da América Latina.
O segundo equívoco é achar que a subida de 5 pontos em matemática, menos de 1% da pontuação atingida pelo país que está em 1o lugar, foi um avanço a ser comemorado, precisaríamos de no mínimo 60 pontos a mais para sair da faixa em que estamos (abaixo da média mundial) para entrar numa faixa próxima ao aceitável com muita boa vontade. Comemorar a subida de 5 pontos é enganar a todos como fizeram o ex-ministro Mercadante e os organizadores de olimpíadas que não perderam a oportunidade de relaciona o suposto avanço a sua cesta dos ovos de ouro, atribuindo o ridículo crescimento (traço) às olimpíadas de matemática. Falácia pura e descarada, as olimpíadas não provocam qualquer impacto no sistema de ensino, estou me referindo à rede de escolas públicas e em As olimpíadas, tais como são realizadas no Brasil só cumprem sua principal função que é pescar futuros matemáticos num universo de milhões de alunos que fracassam no exame. Em países como Hungria, Argentina e Espanha as olimpíadas têm propósitos diferentes e menos elitistas, por serem interessantes e socialmente relevantes fazem são parte do patrimônio cultural e pedagógico de seus países, contribuindo para a melhoria do sistema de ensino.
Há vários fatores que se devem levar em conta quando se analisam resultados de exames internacionais como o PISA, o primeiro é entender as características dos países que estão se saindo bem. Neste último ranking publicado hoje (1o de abril) os 8 primeiros são da Ásia. É necessário avaliar este dado para entender alguns porquês. Vale lembrar que em edições anteriores os países europeus que ocupavam os primeiros postos do ranking eram do norte da Europa (Finlândia, Noruega, Holanda, Dinamarca, etc.) curiosamente são países com alto índice de IDH e também do ranking da Transparência Internacional. Moral da história o sistema educacional de um país será tão melhor quanto melhor for o desenvolvimento de sua sociedade e o bem estar de seus cidadãos, seja em relação às conquistas sociais ou em relação às conquistas democráticas.
Um outro e importante fator é a questão pedagógica e curricular. Podemos dizer que apesar de alguns avanços tímidos, nosso currículo, ao menos o das disciplinas exatas e naturais, é praticamente o mesmo que existia há 50 anos (curioso, 50 anos). Especialistas estrangeiros quando tem conhecimento de nosso currículo de matemática ficam perplexos e comentam que temos "quilômetros de conteúdos, milímetros de profundidade".
Um dado importante para os analistas é Cingapura, que encabeça este último ranking, é um pequeno país com uma situação especial, tanto do ponto de vista econômico como geográfico que, nos últimos anos teve a coragem de promover uma mudança profunda no seu currículo de matemática, cortando na raiz obsolescências e excrescências curriculares que vinham dos anos 50 e 60 (do séc. XX), tópico que, infelizmente, ainda permanecem no currículo brasileiro, não de modo oficial, mas nas apostilas, livros didáticos e exames. São exemplos deste tipo de esquisitices o ensino de algoritmos, como o da raiz quadrada, ou o ensino de regras sem aplicações práticas como a regra de divisibilidade do 9, ou ainda a conversão de decímetros em decâmetros.
Nosso currículo do ensino médio não fica atrás, isto apesar dos esforços dos educadores matemáticos. Está contaminado e é refém das ideias da época do Movimento da Matemática Moderna cujo objetivo maior na época (anos 60) era identificar futuros cientistas, uma demanda da guerra fria (qualquer semelhança com os reais propósitos das OBMEP não é mera coincidência).
Este estado de coisas está na contramão do movimento "Mathematics for All" (Matemática para Todos), movimento este liderado por Hans Freudenthal (ver Freudenthal Institut, em Utrech, Holanda), cujas ideias são a base do PISA atual centrado numa educação matemática realística e significativa, focada na problematização e na resolução de problemas, nas conexões e na interdisciplinaridade.
Ainda que não seja este meu desejo, não tenho dúvidas e ilusões, estou certo que vamos permanecer nos últimos lugares do ranking PISA por no mínimo mais 1 ou 2 décadas. Isto porque nossa cultura curricular e o processo de mercantilização do ensino que se pratica na maioria das escolas e sistemas de ensino privilegiam modos e hábitos nada saudáveis para o desenvolvimento do raciocínio e da inteligência: a decoreba, o esquema pronto e prescrito, o adestramento, as aulas mecânicas que antes presenciais e agora são virtuais, não se iludam Salman Khan é uma resposta tradicional para demandas de escolas tradicionais, ainda que por meios digitais.
Por outro lado o PISA quer saber se os alunos de 15 anos são capazes de enfrentar e resolver problemas para os quais não foram treinados, se são capazes de resolver problemas novos, relacionados à vida, ao cotidiano, às variadas profissões ou às outras disciplinas escolares. Valoriza problemas autênticos que promovem o raciocínio e não meros exercícios de listas destas que se encontram nos milhares de sites de lição de casa da internet. Porém infelizmente a escola tradicional prefere investir na metodologia das apostilas inspiradas na cultura dos cursinhos dos anos 1970, a metodologia focada em treinar e adestrar os alunos a resolver problemas tipo, por meio de testes. Pode até ser um sucesso do ponto de vista comercial, mas da perspectiva pedagógica que visa a aprendizagem dos alunos é um tiro no pé da nação.
Felizmente nem tudo está perdido, pois no Brasil temos grandes educadores e uma geração de estudiosos em problemas de ensino e aprendizagem e atentos a tudo isto. Não estamos tão perdidos porque há centenas (espero que milhares) de práticas didáticas criativas e que realmente podem somar na direção de uma mudança de concepção sobre o ensino.
Apesar de tudo sei também que nos próximos 3 anos terei que ler manchetes iguaizinhas às que sairão publicadas amanhã, algumas indignadas atestando o óbvio, chovendo no molhado e dando voz a "especialistas" que vão constatar que o Brasil vai mal e é preciso mudar. Descobriram o Pisa, descobriram a América. Santa paciência.
(Voltarei a este assunto nos próximos posts)
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