Caros colegas educadores matemáticos, recebi dezenas de e-mails pedindo autorização reproduzir meu "manifesto" e opiniões sobre TCCs e dissertações que tratavam sobre o PISA e também sobre as Olimpíadas. Frente a isto, revisei e reescrevi o artigo, atualizando algumas informações sobre estudos internacionais incluindo e situando o IAEP e o TIMSS.
Bigode
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O Brasil no PISA
O BRASIL vai ficar na rabeira dos índices PISA (Programme for International Student Assessment) programa internacional de avaliação estudantes, por pelo menos mais 20 anos. Mas não pelos motivos que aparecem nas "análises" pífias e simplistas que se lê na mídia todos os anos, reduzidas a um constatacionismo, compatível com o baixo nível de complexidade que os alunos brasileiros mostraram no exame.
O primeiro equívoco é achar que se trata de algo novo, resultante de uma determinada política deste ou daquele governo. O problema é mais complexo e sistêmico, tem sido mensurado há mais de 20 anos, muito antes da criação do PISA (1997), quando foram publicados os primeiros resultados do IAEP (International Assesment of Educational Progress, 1991) e o TIMSS (Trends in International Mathematics and Science Study, 1995), já no início dos anos 90 ocupávamos a penúltima posição à frente de Moçambique um país pobre da África recém-saído de uma guerra civil.
O segundo equívoco é achar que os baixíssimos índices de Matemática podem ser melhorados por meio de ações midiáticas como olimpíadas. A subida de 5 pontos em matemática correspondeu a menos de 1% do total de pontos alcançado por Cingapura que está em 1º lugar, precisaríamos de no mínimo 70 pontos a mais para sair da faixa perigosa em que estamos e atingir um nível próximo da média dos 65 países que participam do exame. Comemorar a subida de 5 pontos como fizeram o ex-ministro Mercadante e os organizadores das olimpíadas de matemática é um show espetacularizado de enganação e oportunismo, o apressado ministro não tendo o que falar de assunto que lhe é estranho (educação), obteve exposição gratuita na mídia e falou a primeira coisa que lhe veio à cabeça sem compromisso e à revelia da posição dos especialistas do MEC, quanto aos gestores das olimpíadas foram oportunistas ao relacionar o suposto avanço a sua cesta dos ovos de ouro atribuindo o "crescimento" ridículo às OBMEP. Trata-se de falácia pura e descarada, pois as olimpíadas não provocam qualquer impacto no sistema de ensino e, tais como são realizadas no Brasil, só cumprem sua principal função de pescar futuros matemáticos num universo de milhões de alunos que fracassam nas provas e só servem para inchar os números de inscrição para justificar investimento milionário cuja relação custo-benefício ainda está por justificar-se. Não é assim na Hungria, Argentina ou Espanha em que as olimpíadas de matemática têm propósitos diferentes e menos elitistas, nestes países, por serem interessantes e socialmente relevantes, as olimpíadas são reconhecidas como parte do patrimônio cultural e pedagógico de seus países, contribuindo para a melhoria do sistema de ensino como um todo e não só para um pequeno segmento da população estudantil, como ocorre em nosso país.
Para analisar e melhor compreender os resultados de exames internacionais como o PISA é preciso considerar vários fatores como, por exemplo, as características dos países que estão se saindo bem. Neste último ranking publicado em 1º de abril, os 7 primeiros são países asiáticos em que a educação está impregnada de valores culturais, de modo distinto do que na maioria dos países ocidentais, educar é antes de tudo uma demanda das famílias, que assumem sua parte no processo e não entregam tudo na mão do estado ou do mercado (a escola como empresa). É necessário avaliar este dado para entender alguns porquês. Há duas décadas que os primeiros lugares de exames internacionais alternam países orientais e países do norte da Europa (Finlândia, Noruega, Holanda, Dinamarca, etc.) em geral países com altos índices de IDH, Progresso Social e medidores de democracia e percepção de corrupção divulgados por entidades como Transparência Internacional e Anistia Internacional entre outras. Não se trata de mera coincidência. Moral da história: O SISTEMA EDUCACIONAL DE UM PAÍS SERÁ TÃO MELHOR QUANTO MELHOR FOR O DESENVOLVIMENTO DE SUA SOCIEDADE E O BEM ESTAR DE SEUS CIDADÃOS, SEJA EM RELAÇÃO ÀS CONQUISTAS SOCIAIS OU EM RELAÇÃO ÀS CONQUISTAS DEMOCRÁTICAS.
Outro importante fator a considerar é a questão pedagógica e curricular. Apesar de alguns tímidos avanços recentes, o currículo atual das disciplinas exatas e naturais - não só o oficial pretendido, mas também o real praticado - é praticamente o mesmo de 50 anos atrás (curioso que sejam 50 anos) inchado e obsoleto. No caso da Matemática, especialistas estrangeiros quando o analisam ficam perplexos perante o que chamam de "quilômetros de conteúdos, milímetros de profundidade".
Quem lê manchetes de jornais e não documentos desconhece que Cingapura, que encabeça o último ranking, é um pequeno país de 5 milhões de habitantes, com uma situação especial, tanto do ponto de vista econômico como geográfico (país oriental com alto IDH e renda per capita) que, nos últimos anos teve a coragem de promover uma profunda mudança no seu currículo, em especial o de matemática, enxugando-o, cortando na raiz suas obsolescências e excrescências herdadas das visões curriculares dos anos 50 e 60 (do séc. XX). Nossa situação é diversa, tópicos obsoletos abolidos na maioria dos currículos de países desenvolvidos, permanecem no currículo brasileiro, se não de modo oficial, permanecem nas apostilas, nos livros didáticos, nos exames e nas práticas. Inúmeros são os exemplos deste tipo de esquisitices: o ensino de algoritmos, como o da raiz quadrada, regras sem aplicações práticas como a divisibilidade por 9, fórmula da área do losango ou ainda a conversão de decímetros em decâmetros.
O currículo do ensino médio não fica atrás, apesar dos esforços da comunidade de educadores matemáticos em reformá-lo. Além do fantasma dos vestibulares, ainda está contaminado pelas ideias do Movimento da Matemática Moderna dos 60, cujo objetivo maior era "pescar" futuros cientistas (qualquer semelhança com os reais propósitos das olimpíadas de matemática brasileiras, não é mera coincidência). Muitos destes jovens estudantes de futuro promissor jamais trabalharam no Brasil, tão logo eram identificados como "especiais" foram enviados para o exterior antes mesmo de concluir seu curso secundário, o que atendia as demandas da guerra fria. Tal orientação foi combatida pelo movimento "Mathematics for All" (Matemática para Todos), liderado por Hans Freudenthal (ver Freudenthal Institute, Utrech, Holanda), cujas ideias são a base do PISA atual: centrado numa educação matemática realística e significativa, focado na problematização e na resolução de problemas, nas conexões e na interdisciplinaridade. Esta perspectiva tem como foco o aluno na sua totalidade e o desenvolvimento de sua autonomia e cidadania cognitiva.
Ainda que não seja o desejo da maioria dos educadores e cidadãos, não devemos ter ilusões de que é possível mudar este quadro no curto ou médio prazo, permaneceremos nos últimos lugares do ranking PISA por no mínimo mais uma ou duas décadas. Isto porque a cultura curricular vigente e o processo em curso que está transformando o ensino numa mercadoria apontam para isto. Os fatos e fatores estão à vista e não deixam margem a dúvidas, basta ver que a maioria das escolas e sistemas de ensino continua valorizando modos e hábitos nada saudáveis para o desenvolvimento do raciocínio e da inteligência das crianças, adolescentes e jovens, suas características são conhecidas: a decoreba em lugar da significação, fatos e esquemas prontos e acabados em lugar da construção de processos, o adestramento e prescrição de regras mecânicas ao invés de compreensão, tudo temperado com aulas enfadonhas que antes eram restritas às aulas presenciais (lousa e giz) e agora são também virtuais como no caso das aulas pela internet de Salman Khan que, não se iludam, é uma resposta tradicional para demandas de escolas tradicionais, ainda que por meios digitais.
A filosofia do PISA é outra, trata-se de um exame que procura saber o que estudantes de 15 anos são capazes de enfrentar e resolver problemas para os quais não foram treinados, a partir de sua formação no ensino fundamental, se são capazes enfrentar e resolver problemas novos, relacionados à vida, ao cotidiano, às várias atividades profissionais e as demais disciplinas escolares. O PISA valoriza problemas autênticos que promovem o raciocínio e não meros exercícios de listas, como as que se encontram aos milhares em sites de lição de casa oferecidos em páginas da internet. É triste saber que a escola tradicional prefere investir na metodologia de apostilas inspiradas na cultura dos cursinhos dos anos 1970 cuja metodologia é focada em treinar e adestrar os alunos a resolver exercícios pela mecanização (e macetes) por meio de testes. Este modelo pode até ser um sucesso do ponto de vista comercial, mas da perspectiva social e pedagógica, que tem na aprendizagem dos alunos seu objetivo principal, é um tiro no pé da nação.
Felizmente nem tudo está perdido, pois temos no Brasil grandes educadores, e uma geração de estudiosos atentos a tudo isto, focados em questões essenciais do ensino e outras relativas aos processos de aprendizagem. Não estamos tão perdidos porque há centenas (milhares talvez) de práticas didáticas criativas e que realmente podem fazer diferença na direção de uma mudança de concepção sobre o ensino, é o caso de identificá-las, valorizá-las e socializá-las.
Quem guardar os recortes das manchetes indignadas de jornais, revistas ou gravar os noticiários de TV sobre este último ranking do PISA, poderão compará-las às que serão publicadas nos próximos anos após a divulgação dos novos índices, não tenham dúvidas de que serão praticamente as mesmas publicadas neste ano e nos anos anteriores, provavelmente com os mesmos lamentos, obviedades e chovendo no molhado, dando voz a "especialistas" que continuarão a proclamar que o Brasil vai mal e é preciso mudar. Descobridores da América. Não basta descobrir o Pisa, e reinventar a roda.
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Antonio José Lopes BIGODE
Educador Matemático
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