No modelo brasileiro atual, todos os alunos matriculados no ensino médio cursam exatamente o mesmo currículo de matemática. Esse currículo comum, em geral, acaba sendo avançado demais para alguns alunos, por exemplo que não pretendem continuar seus estudos além do ensino médio, e, ao mesmo tempo, insuficiente como preparação para cursos universitários intensivos em matemática.
Uma possível solução para o paradoxo apontado no parágrafo anterior é o modelo usado em alguns estados australianos e algumas províncias do Canadá, onde o currículo de matemática do ensino médio é flexível, com diferentes sequências de disciplinas dependendo do interesse e aptidão do aluno. Em linhas gerais, oferecem-se três opções no currículo:
1) Uma sequência de "Fundamentos de Matemática" com orientação "prática", que não qualifica o aluno para ingresso em um curso de bacharelado, mas permite o acesso a outras formações técnicas ou vocacionais de nível médio, ou mesmo a algumas formações tecnológicas de nível superior (graduações curtas).
2) Uma sequência de "Matemática Geral", voltada para alunos que queiram ingressar em graduações universitárias (bacharelados de 4 a 5 anos) que não exigem grande estudo formal de matemática além do ensino médio.
3) Uma sequência de "Matemática Especializada", incluindo cálculo diferencial e integral, voltada para alunos que queiram ingressar em cursos onde matemática é ensinada (e usada extensivamente) além do ensino médio, p.ex. engenharia, economia e a maioria dos bacharelados em ciências.
A maneira de introduzir o cálculo no ensino médio não é uniforme, mas, na maioria dos casos, nos sistemas escolares onde existe a categoria 3 acima, opta-se por uma abordagem intuitiva (i.e. sem o mesmo rigor formal do curso superior), mas ao mesmo tempo operacional, de forma que o aluno já no ensino médio se torna efetivamente capaz de calcular limites, derivadas e integrais (nesse último caso, geralmente apenas imediatas) de funções reais de uma variável real, e de aplicar o cálculo não só aos problemas "geométricos" naturais associados a ele como determinação da equação de retas tangentes a gráficos, esboço de gráficos de funções, ou cálculo de áreas sob gráfico, mas também, mais além, em aplicações simples por exemplo de mecânica newtoniana, probabilidade de eventos na reta real e solução de algumas equações diferenciais elementares (ver também Nota 1 abaixo).
Na prática, o que acontece hoje no Brasil é que, nas universidades (públicas) de mais alto nível, o professor por exemplo de Cálculo I tem que ministrar uma ementa pesada em teoria, que inclui a definição formal de limite e demonstrações rigorosas da maioria dos teoremas mais importantes do cálculo, combinada por outro lado com aspectos operacionais mais avançados como métodos gerais de integração (para cálculo de integrais "difíceis") e aplicações mais desafiadoras como volumes de sólidos de revolução e curvas parametrizadas em duas e três dimensões , além de tópicos como integrais impróprias e polinômios de Taylor. Ao mesmo tempo, entretanto, na mesma carga horária, o professor tem que ensinar também ao aluno conceitos mais simples como cálculo de limites , regras de derivação ( derivada do produto/ quociente, regra da cadeia, etc.) , pesquisas de máximos, mínimos e pontos de inflexão de funções, cálculo de primitivas imediatas, e outros tópicos do gênero que poderiam perfeitamente já ter sido introduzidos no ensino médio. O alto grau de reprovação dos alunos em Cálculo I, mesmo em universidades supostamente seletivas como a USP e a UNICAMP, é uma consequência natural e inevitável. Além disso, os alunos sentem dificuldade tremenda nas disciplinas de Física I do primeiro semestre da faculdade onde o professor aborda mecânica com cálculo desde o primeiro dia de aula sem que o aluno tenha visto ainda as definições de derivada e integral, nem muito menos como usá-las.
Por outro lado, no ensino médio, o professor de matemática, imbuído da tarefa de lecionar o atual currículo brasileiro comum, se defronta, principalmente na escola pública, com uma maioria de alunos desinteressados (que ficam se perguntando por exemplo "para que eu estou aprendendo isso ?") e que, muitas vezes, também têm dificuldade de acompanhar a matéria porque, no ensino fundamental, não aprenderam bem o básico de álgebra, geometria e. às vezes, até aritmética que lhes permita, por exemplo, no ensino médio, estudar com sucesso funções, geometria analítica, sistemas lineares, polinômios, ou análise combinatória.
No modelo australiano/canadense mencionado, os alunos a que se refere o parágrafo anterior seriam os candidatos naturais para cursar a sequência de matemática da categoria 1 ("Matemática Fundamental"), onde eles aprenderiam conteúdos relevantes, por exemplo de geometria, trigonometria, álgebra básica, matemática financeira, sistemas de coordenadas e gráficos, estatística descritiva e probabilidades, mas de uma forma contextualizada à sua vida cotidiana e ao mundo do trabalho. No extremo oposto, os alunos com aptidão e interesse em matemática, que pretendem se tornar engenheiros, economistas, cientistas ou mesmo matemáticos puros ou aplicados, seguiriam a sequência da categoria 3, que lhes permitiria depois acompanhar com sucesso as matérias introdutórias de matemática e física do curso superior.
Entre os alunos das categorias 1 e 3 , estariam por exemplo os futuros advogados, filósofos, sociólogos, psicólogos, linguistas, jornalistas, administradores de empresas e similares que provavelmente não estudarão mais matemática ou estudarão sistematicamente pouca matemática adicional além do ensino médio, mas que necessitam aprender na escola alguns conceitos matemáticos mais sofisticados como relações e funções elementares (pré-cálculo) e/ou se beneficiariam das habilidades quantitativas, analíticas e lógico-dedutivas que se adquirem em um curso colegial de matemática teórica. Esse grupo de alunos , ver também Nota 2 abaixo, são os candidatos naturais para cursar a sequência 2 ("Matemática Geral"), que, como explicado, é basicamente o nosso currículo atual, subtraindo talvez alguns tópicos como números complexos ou determinantes, que, aliás, já são cada vez menos cobrados hoje nos vestibulares gerais como a Fuvest.
Propostas do tipo que se defende aqui são normalmente atacadas no Brasil, como "elitismo" ou tentativas de promover um ensino "segregado" em bases socioeconômicas. Entretanto, a experiência mostra que tentativas de equalizar os resultados sem que haja igualdade de oportunidades, interesses e aptidões, além de conduzirem ao fracasso (evidenciado no Brasil pelo mau desempenho dos alunos em matemática), acabam no longo prazo nivelando por baixo. Um ensino médio mais customizado para diferentes públicos, precedido de um ensino fundamental forte e, esse sim, único, universal e inclusivo para equalizar as oportunidades, seria muito mais racional e eficiente do que nosso sistema atual. Essa tese, aliás, não se aplica apenas ao ensino de matemática, que se abordou aqui, mas ao ensino médio em geral, que poderemos discutir mais amplamente em uma oportunidade futura.
Nota 1 : Em alguns casos, quando uma abordagem formal e mais avançada do cálculo já é ensinada no colégio, como acontece por exemplo na Inglaterra (em A-Level Maths + A-Level Further Maths), alunos da categoria 3 podem até mesmo, no primeiro semestre da faculdade, "pular" diretamente para o nosso Cálculo II atual, i.e. cálculo para funções reais de mais de uma variável real, embora, pessoalmente, eu considere essa meta ambiciosa demais e inadequada para a realidade brasileira, mesmo havendo uma reforma ampla do ensino médio.
Nota 2: Os futuros médicos e outros profissionais de saúde são um caso "fronteiriço". Por um lado, um currículo de "matemática geral" no ensino médio poderia ser suficiente para as necessidades deles, mas, por outro lado, pode-se argumentar também que o estudo do cálculo no ensino médio os ajudaria em algumas matérias de química, biologia e biofísica do ensino superior.
Sugestão de Referências para Leitura
Austrália
1) Currículos de Matemática para os Anos 11 e 12 no estado de Victoria (Foundation Mathematics, General Mathematics, Mathematical Methods, Further Mathematics, Specialist Mathematics)
http://www.vcaa.vic.edu.au/Documents/vce/mathematics/mathsstd.pdf
2) Currículos de Matemática para os Anos 11 e 12 no estado de Queensland (Mathematics A, B, and C).
http://www.qcaa.qld.edu.au/1885.html
Canadá
1) Currículos de Matemática para os anos 10, 11 e 12 na província de Alberta.
a) Pré-Cálculo ( Mathematics 10C, Mathematics 10-3, Mathematics 20-1, Mathematics 20-2, Mathematics 20-3, Mathematics 30-1, Mathematics 30-2, Mathematics 30-3).
http://education.alberta.ca/media/655889/math10to12.pdf
b) Cálculo (Mathematics 31).
http://education.alberta.ca/media/645646/math31.pdf
2) Currículos de Matemática para os anos 10, 11 e 12 na província da Colúmbia Britânica.
a) Pré-Cálculo ( Workship and Apprenticeship Mathematics 10, 11 and12; Foundation of Mathematics and Pre-calculus 10; Foundation of Mathematics 11 and 12; Pre-calculus 11 and 12).
http://www.bced.gov.bc.ca/irp/course.php?lang=en&subject=Mathematics&course=Mathematics_10_to_12&year=2008
b) Calculus 12
http://www.bced.gov.bc.ca/irp/course.php?lang=en&subject=Mathematics&course=Calculus_12&year=2000
-- Uma possível solução para o paradoxo apontado no parágrafo anterior é o modelo usado em alguns estados australianos e algumas províncias do Canadá, onde o currículo de matemática do ensino médio é flexível, com diferentes sequências de disciplinas dependendo do interesse e aptidão do aluno. Em linhas gerais, oferecem-se três opções no currículo:
1) Uma sequência de "Fundamentos de Matemática" com orientação "prática", que não qualifica o aluno para ingresso em um curso de bacharelado, mas permite o acesso a outras formações técnicas ou vocacionais de nível médio, ou mesmo a algumas formações tecnológicas de nível superior (graduações curtas).
2) Uma sequência de "Matemática Geral", voltada para alunos que queiram ingressar em graduações universitárias (bacharelados de 4 a 5 anos) que não exigem grande estudo formal de matemática além do ensino médio.
3) Uma sequência de "Matemática Especializada", incluindo cálculo diferencial e integral, voltada para alunos que queiram ingressar em cursos onde matemática é ensinada (e usada extensivamente) além do ensino médio, p.ex. engenharia, economia e a maioria dos bacharelados em ciências.
A maneira de introduzir o cálculo no ensino médio não é uniforme, mas, na maioria dos casos, nos sistemas escolares onde existe a categoria 3 acima, opta-se por uma abordagem intuitiva (i.e. sem o mesmo rigor formal do curso superior), mas ao mesmo tempo operacional, de forma que o aluno já no ensino médio se torna efetivamente capaz de calcular limites, derivadas e integrais (nesse último caso, geralmente apenas imediatas) de funções reais de uma variável real, e de aplicar o cálculo não só aos problemas "geométricos" naturais associados a ele como determinação da equação de retas tangentes a gráficos, esboço de gráficos de funções, ou cálculo de áreas sob gráfico, mas também, mais além, em aplicações simples por exemplo de mecânica newtoniana, probabilidade de eventos na reta real e solução de algumas equações diferenciais elementares (ver também Nota 1 abaixo).
Na prática, o que acontece hoje no Brasil é que, nas universidades (públicas) de mais alto nível, o professor por exemplo de Cálculo I tem que ministrar uma ementa pesada em teoria, que inclui a definição formal de limite e demonstrações rigorosas da maioria dos teoremas mais importantes do cálculo, combinada por outro lado com aspectos operacionais mais avançados como métodos gerais de integração (para cálculo de integrais "difíceis") e aplicações mais desafiadoras como volumes de sólidos de revolução e curvas parametrizadas em duas e três dimensões , além de tópicos como integrais impróprias e polinômios de Taylor. Ao mesmo tempo, entretanto, na mesma carga horária, o professor tem que ensinar também ao aluno conceitos mais simples como cálculo de limites , regras de derivação ( derivada do produto/ quociente, regra da cadeia, etc.) , pesquisas de máximos, mínimos e pontos de inflexão de funções, cálculo de primitivas imediatas, e outros tópicos do gênero que poderiam perfeitamente já ter sido introduzidos no ensino médio. O alto grau de reprovação dos alunos em Cálculo I, mesmo em universidades supostamente seletivas como a USP e a UNICAMP, é uma consequência natural e inevitável. Além disso, os alunos sentem dificuldade tremenda nas disciplinas de Física I do primeiro semestre da faculdade onde o professor aborda mecânica com cálculo desde o primeiro dia de aula sem que o aluno tenha visto ainda as definições de derivada e integral, nem muito menos como usá-las.
Por outro lado, no ensino médio, o professor de matemática, imbuído da tarefa de lecionar o atual currículo brasileiro comum, se defronta, principalmente na escola pública, com uma maioria de alunos desinteressados (que ficam se perguntando por exemplo "para que eu estou aprendendo isso ?") e que, muitas vezes, também têm dificuldade de acompanhar a matéria porque, no ensino fundamental, não aprenderam bem o básico de álgebra, geometria e. às vezes, até aritmética que lhes permita, por exemplo, no ensino médio, estudar com sucesso funções, geometria analítica, sistemas lineares, polinômios, ou análise combinatória.
No modelo australiano/canadense mencionado, os alunos a que se refere o parágrafo anterior seriam os candidatos naturais para cursar a sequência de matemática da categoria 1 ("Matemática Fundamental"), onde eles aprenderiam conteúdos relevantes, por exemplo de geometria, trigonometria, álgebra básica, matemática financeira, sistemas de coordenadas e gráficos, estatística descritiva e probabilidades, mas de uma forma contextualizada à sua vida cotidiana e ao mundo do trabalho. No extremo oposto, os alunos com aptidão e interesse em matemática, que pretendem se tornar engenheiros, economistas, cientistas ou mesmo matemáticos puros ou aplicados, seguiriam a sequência da categoria 3, que lhes permitiria depois acompanhar com sucesso as matérias introdutórias de matemática e física do curso superior.
Entre os alunos das categorias 1 e 3 , estariam por exemplo os futuros advogados, filósofos, sociólogos, psicólogos, linguistas, jornalistas, administradores de empresas e similares que provavelmente não estudarão mais matemática ou estudarão sistematicamente pouca matemática adicional além do ensino médio, mas que necessitam aprender na escola alguns conceitos matemáticos mais sofisticados como relações e funções elementares (pré-cálculo) e/ou se beneficiariam das habilidades quantitativas, analíticas e lógico-dedutivas que se adquirem em um curso colegial de matemática teórica. Esse grupo de alunos , ver também Nota 2 abaixo, são os candidatos naturais para cursar a sequência 2 ("Matemática Geral"), que, como explicado, é basicamente o nosso currículo atual, subtraindo talvez alguns tópicos como números complexos ou determinantes, que, aliás, já são cada vez menos cobrados hoje nos vestibulares gerais como a Fuvest.
Propostas do tipo que se defende aqui são normalmente atacadas no Brasil, como "elitismo" ou tentativas de promover um ensino "segregado" em bases socioeconômicas. Entretanto, a experiência mostra que tentativas de equalizar os resultados sem que haja igualdade de oportunidades, interesses e aptidões, além de conduzirem ao fracasso (evidenciado no Brasil pelo mau desempenho dos alunos em matemática), acabam no longo prazo nivelando por baixo. Um ensino médio mais customizado para diferentes públicos, precedido de um ensino fundamental forte e, esse sim, único, universal e inclusivo para equalizar as oportunidades, seria muito mais racional e eficiente do que nosso sistema atual. Essa tese, aliás, não se aplica apenas ao ensino de matemática, que se abordou aqui, mas ao ensino médio em geral, que poderemos discutir mais amplamente em uma oportunidade futura.
Nota 1 : Em alguns casos, quando uma abordagem formal e mais avançada do cálculo já é ensinada no colégio, como acontece por exemplo na Inglaterra (em A-Level Maths + A-Level Further Maths), alunos da categoria 3 podem até mesmo, no primeiro semestre da faculdade, "pular" diretamente para o nosso Cálculo II atual, i.e. cálculo para funções reais de mais de uma variável real, embora, pessoalmente, eu considere essa meta ambiciosa demais e inadequada para a realidade brasileira, mesmo havendo uma reforma ampla do ensino médio.
Nota 2: Os futuros médicos e outros profissionais de saúde são um caso "fronteiriço". Por um lado, um currículo de "matemática geral" no ensino médio poderia ser suficiente para as necessidades deles, mas, por outro lado, pode-se argumentar também que o estudo do cálculo no ensino médio os ajudaria em algumas matérias de química, biologia e biofísica do ensino superior.
Sugestão de Referências para Leitura
Austrália
1) Currículos de Matemática para os Anos 11 e 12 no estado de Victoria (Foundation Mathematics, General Mathematics, Mathematical Methods, Further Mathematics, Specialist Mathematics)
http://www.vcaa.vic.edu.au/Documents/vce/mathematics/mathsstd.pdf
2) Currículos de Matemática para os Anos 11 e 12 no estado de Queensland (Mathematics A, B, and C).
http://www.qcaa.qld.edu.au/1885.html
Canadá
1) Currículos de Matemática para os anos 10, 11 e 12 na província de Alberta.
a) Pré-Cálculo ( Mathematics 10C, Mathematics 10-3, Mathematics 20-1, Mathematics 20-2, Mathematics 20-3, Mathematics 30-1, Mathematics 30-2, Mathematics 30-3).
http://education.alberta.ca/media/655889/math10to12.pdf
b) Cálculo (Mathematics 31).
http://education.alberta.ca/media/645646/math31.pdf
2) Currículos de Matemática para os anos 10, 11 e 12 na província da Colúmbia Britânica.
a) Pré-Cálculo ( Workship and Apprenticeship Mathematics 10, 11 and12; Foundation of Mathematics and Pre-calculus 10; Foundation of Mathematics 11 and 12; Pre-calculus 11 and 12).
http://www.bced.gov.bc.ca/irp/course.php?lang=en&subject=Mathematics&course=Mathematics_10_to_12&year=2008
b) Calculus 12
http://www.bced.gov.bc.ca/irp/course.php?lang=en&subject=Mathematics&course=Calculus_12&year=2000
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