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Agenda ambiental não é prioridade do Estado brasileiro

 

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Terça, 24 de março de 2015



Agenda ambiental não é prioridade do Estado brasileiro. Entrevista especial com Carlos Rittl

"O tema de mudanças climáticas, apesar de ser o maior desafio ao desenvolvimento de todas as nações neste século, ainda é tratado pelo governo federal como um tema de segunda ou terceira importância", lamenta o coordenador executivo do Observatório do Clima.


Foto: hypescience.com

"Com bastante apreensão nós recebemos a notícia do desmantelamento de toda a equipe da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável da Presidência da República", diz Carlos Rittl à IHU On-Line, ao comentar as demissões anunciadas no início da semana passada. Segundo ele, a equipe estava desenvolvendo o estudo intitulado Brasil 2040, o qual tem como finalidade apresentar "informações relevantes" para compreender "de que forma as mudanças climáticas irão afetar o regime de chuvas e o regime hidrológico das grandes bacias do Brasil, e que implicações isso terá para a geração de energia a partir de fontes de hidrelétricas, para a agricultura e infraestrutura, entre outros aspectos".

Na entrevista concedida por telefone no final da última semana, Rittl informou ainda que o estudo elaborado pela equipe técnica seria concluído em abril e apresentado ao governo federal e à sociedade civil. "Qual é a razão da dispensa de pessoas que estão organizando um trabalho tão importante, se não a de reduzir a importância dessa agenda para o novo ministro e para o governo federal?", questiona.

Na avaliação dele, as demissões demonstram que "o governo não consegue compreender nem o que a realidade deveria nos impor em termos de responsabilidade. O Brasil, ante a crise hídrica e o risco de passarmos dificuldades neste ano em relação à segurança energética e ao risco de apagões, não consegue conectar os pontos entre os fatores que contribuem para as mudanças climáticas".

Carlos Rittl também comenta os primeiros resultados da reunião de Genebra, onde representantes dos países participaram da primeira rodada de negociações para elaborar o texto que será discutido na COP-21, em Paris. "Entre os objetivos de longo prazo, há propostas interessantes como opções antagônicas e algumas muito ambiciosas, que tratam de zerar as emissões acumuladas em todos os países até 2050, e outras propostas que tratam de compromissos mais frouxos e não tão detalhados, que tratam de reduções progressivas das emissões por países com vistas a limitar o aquecimento global a dois graus", frisa.

Rittl menciona ainda que o Brasil não apresentou suas propostas em Genebra e, portanto, os especialistas não têm "a menor noção do grau de ambição que virá". E acrescenta: "O Brasil não deveria temer colocar na mesa um compromisso ambicioso, achando que isso irá representar um fardo para a economia. Deveríamos olhar para as oportunidades que teríamos de promover ajustes na economia desde agora, já que estamos falando em 2020, e a transição daqui para 2020 demanda uma série de ações".

Foto: g1.globo.com

Carlos Rittl é mestre e doutor em Biologia Tropical e Recursos Naturais. Foi coordenador do Greenpeace Brasil, como coordenador da Campanha de Clima, e do WWF-Brasil, como coordenador do Programa de Mudanças Climáticas e Energia. Atualmente é coordenador executivo do Observatório do Clima.

 Confira a entrevista.

IHU On-Line - Como recebeu a notícia de que membros do quadro técnico da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável foram demitidos nove meses antes da Conferência de Paris? Como essa notícia repercutiu entre as organizações que tratam da questão das mudanças climáticas no país?

Carlos Rittl – Com bastante apreensão nós recebemos a notícia do desmantelamento de toda a equipe da Secretaria de Desenvolvimento Sustentável da Presidência da República. O estudo que eles estavam desenvolvendo, intitulado Brasil 2040, é talvez um dos esforços mais importantes que se tem hoje para entender o grau de vulnerabilidade do Brasil em relação às mudanças climáticas. O estudo trará informações relevantes para que nós possamos compreender de que forma as mudanças climáticas irão afetar o regime de chuvas e o regime hidrológico das grandes bacias do Brasil, e que implicações isso terá para a geração de energia a partir de fontes de hidrelétricas, para a agricultura e infraestrutura, entre outros aspectos.

Mais do que os técnicos serem dispensados a nove meses da Conferência do Clima de Paris, eles foram dispensados a cerca de um mês da conclusão do estudo; e isso é o que mais assusta. Esse estudo está previsto para ser concluído em abril e seria divulgado para o governo e para a sociedade. Qual é a razão da dispensa de pessoas que estão organizando um trabalho tão importante, se não a de reduzir a importância dessa agenda para o novo ministro e para o governo federal?

IHU On-Line – O que essas demissões demonstram sobre o comprometimento do Brasil com a discussão acerca das mudanças climáticas?

Carlos Rittl – O tema de mudanças climáticas, apesar de ser o maior desafio ao desenvolvimento de todas as nações neste século, ainda é tratado pelo governo federal como um tema de segunda ou terceira importância. O governo não consegue compreender nem o que a realidade deveria nos impor em termos de responsabilidade. O Brasil, ante a crise hídrica e o risco de passarmos dificuldades neste ano em relação à segurança energética e ao risco de apagões, não consegue conectar os pontos entre os fatores que contribuem para as mudanças climáticas. Ou seja, não se discute qual é a nossa responsabilidade e o que temos de fazer em relação às reduções de emissões de gases de efeito estufa e como nos preparamos para um clima mais hostil.

Além dessas demissões, outras pessoas que estavam com responsabilidades sobre a agenda climática até o ano passado perderam integrantes nas suas equipes. Isso demonstra que o tema ou não é prioridade ou tem uma importância muito pequena na esfera federal. Falta visão estratégica, falta uma compreensão de que o problema não se refere mais ao futuro, mas está presente no nosso dia a dia e exige um repensar sobre todos os nossos grandes planos e investimentos. O Brasil vai continuar investindo e promovendo planos de desenvolvimento ignorando os fatores climáticos, e isso é muito temerário.

IHU On-Line – Apesar das demissões, o estudo será concluído?

Carlos Rittl – Sim, ele deve ser finalizado porque existem obrigações legais e recursos públicos envolvidos, ou seja, há uma série de esforços e uma grande equipe de especialistas para desenvolvê-lo. Então, temos certeza de que será concluído, mas o que nos preocupa é que anteriormente, com a liderança do subsecretário Sérgio Margulis, o estudo seria apresentado ao governo como um insumo importante para refletir sobre os atuais planos do país para o desenvolvimento, a energia e, inclusive, para adaptar ou reajustar os planos atuais. Seria um insumo relevante para o compromisso que o Brasil vai assumir no novo acordo que será elaborado em Paris, já que os cenários construídos por esse estudo mostram um alto grau de vulnerabilidade, à medida que o país é um grande emissor e, portanto, precisa reduzir emissões.

Há um risco muito grande de não haver o passo seguinte: a informação é produzida, mas não é assimilada pelos governos e tomadores de decisões, já que o governo demonstrou, com as demissões, que o tema não é prioritário.

"O Brasil vai continuar investindo e promovendo planos de desenvolvimento ignorando os fatores climáticos, e isso é muito temerário"

IHU On-Line – Vislumbra alguma implicação mais direta na negociação que ocorre em Paris, neste ano?

Carlos Rittl – O estudo não é um estudo direto para definição de compromissos que o Brasil pretende colocar na mesa na negociação internacional. Por não tratar da questão de emissões, gases de efeito estufa, ou de oportunidades para redução de emissões, ele não teria um impacto direto, mas demonstraria a vulnerabilidade do Brasil em diferentes áreas. Isso deveria levar o Brasil a pensar que o país precisa colocar um compromisso substantivo na mesa de negociação, compatível com seu nível de capacidade e responsabilidade, porque contribuir para limitar o aquecimento global significa reduzir a nossa própria vulnerabilidade. O impacto maior é demonstrar que essa agenda não é relevante e prioritária para o governo federal.

IHU On-Line - Como foi a primeira reunião da Convenção do Clima das Nações Unidas para formatar o texto do acordo do clima de Paris em Genebra? Teve alguma novidade em relação à COP-20?

Carlos Rittl – Em Genebra foi aprovado um texto que era até então considerado uma proposta de rascunho do novo acordo a ser fechado em Paris. Esse texto elaborado na COP-20 foi transformado num texto oficial de negociação. De início, ele tinha elementos compartilhados pelos países, mas não tinha, até a COP-20, sido negociado. Ele passou a ser negociado em Genebra, com os países apresentando propostas formais, ao invés de sugestões de ajustes de linguagem.

Agora o texto tem propostas formais em diferentes frentes, sobre aspectos como mitigação, adaptação, financiamento climático, transferência de tecnologia e outros aspectos da agenda de negociação. Há propostas tratando de objetivos de longo prazo, ou seja, o esforço que os países devem visar, como a limitação do aquecimento global em 2 graus. Essa foi a grande novidade.

Houve aparentemente um espírito positivo dos países, mas o tempo até Paris é curto. As próximas rodadas de negociações serão importantes para definir, junto com os anúncios dos compromissos pretendidos por cada país, a expectativa em relação aos potenciais resultados que podemos ter em Paris, na COP-21, e que respostas os tomadores de decisão darão frente às mudanças climáticas.

IHU On-Line – Pode mencionar algumas das propostas já sugeridas pelos países neste primeiro texto, elaborado em Genebra?

Carlos Rittl – A agenda de negociações é extremamente ampla e detalhada, com propostas de mitigação, financiamento climático e meios de implementação que incluem transferência de tecnologia e capacitação. Então, o texto tem uma gama diversa de assuntos tratados. Mas ele trata, entre outras coisas, de como diferenciar a natureza dos compromissos que serão assumidos entre os países. Existem propostas — como a do Brasil — de diferenciação entre os países de uma maneira que um país, ao assumir um compromisso, deve, numa próxima etapa, assumir um compromisso seguinte com um grau de ambição maior. Essa é uma proposta que entrou e saiu do texto e ainda está em negociação; é uma proposta interessante porque temos de conseguir sair dessa dicotomia entre países desenvolvidos e países em desenvolvimento, já que hoje há, dentro do grupo dos países em desenvolvimento, situações muito diferentes, como a do Brasil, China, África do Sul, Índia, e países que são pequenas ilhas que não têm responsabilidade em relação às causas do aquecimento global. Então, precisamos fazer uma diferenciação adequada entre países para que o grau de compromisso não seja o de que os países ricos paguem e os pobres sejam beneficiados, uma vez que grandes economias emergentes têm responsabilidades e precisam assumir um grau maior de compromisso.

Entre os objetivos de longo prazo, há propostas interessantes como opções antagônicas e algumas muito ambiciosas, que tratam de zerar as emissões acumuladas em todos os países até 2050, e outras propostas que tratam de compromissos mais frouxos e não tão detalhados, que tratam de reduções progressivas das emissões por países com vistas a limitar o aquecimento global a dois graus.

Há ainda propostas mais específicas, que amarrariam mais os compromissos de cada país a essa visão de longo prazo e a essas visões mais frouxas, mas sem vincular fortemente as metas de cada país a um compromisso global de redução de emissões. O texto é bastante diverso e entrou em negociação com pouco mais de 30 páginas e saiu da negociação de Genebra com mais de 80 páginas.

IHU On-Line – Uma das críticas é a de que o texto já está bastante longo, o que indica poucos acordos. Concorda?

Carlos Rittl – É um texto longo, mas é da natureza das negociações que os países comecem a apresentar suas propostas, as quais começam a ser negociadas para se fazer uma aproximação entre grupos que fizeram propostas semelhantes, mas com algumas diferenças, e depois se entre na negociação, de fato, quando há duas opiniões muito distintas.

A crítica é de que o que foi feito em Genebra deveria ter sido feito no meio da COP-20, quando os países não aceitaram discutir um documento oficial. Então a crítica é de que o processo das negociações é muito lento. E se contarmos o número de dias daqui até Paris, passando por Paris teremos um mês e meio para fazer negociações, a não ser que sejam definidas novas reuniões intermediárias antes de Paris, para correr atrás do prejuízo. Claro que os países dialogam bilateralmente, multilateralmente, como o Brasil conversa com a China, com a África do Sul, Índia, para decidir suas decisões, mas há pouco tempo para avançar.

IHU On-Line - Quando devem ocorrer as próximas negociações e que aspectos serão discutidos nos próximos encontros?

Carlos Rittl - A negociação de fato ocorre somente sob o guarda-chuva da Convenção. Então até lá temos duas sessões previstas antes da COP-21, e talvez a proposta de mais alguma. A próxima sessão será em Bonn, em meados do ano, onde haverá duas semanas de negociação — o mesmo período de uma conferência como a COP. Enquanto isso, os países estão se reunindo; o próprio BasicBrasil, Índia, China e África do Sul — se reunirá aqui no Brasil numa reunião ministerial para discutir o posicionamento desses países rumo a Paris e para a próxima rodada de negociação. Inclusive, eles irão discutir o que cada país pretende colocar como seu compromisso para o novo acordo e quando eles pretendem anunciar esse compromisso pretendido. Então as conversas bilaterais ocorrem ao longo do ano. O Brasil deve ter diálogo com outros países, também ao longo do ano.

IHU On-Line - O Brasil já apresentou propostas nessa primeira rodada em Genebra?

Carlos Rittl – Não. Só dois atores comunicaram seus compromissos pretendidos, a União Europeia e a Suíça, ou seja, somente eles registraram formalmente aquilo que pretendem fazer a partir de 1º de janeiro de 2021. Estamos falando de um acordo que trata de compromissos para após 2020. Outros países, como os Estados Unidos, que anunciaram no ano passado o que pretendem colocar na mesa, ainda não registraram seu compromisso. O Brasil ainda não deu indicação nenhuma, nem da natureza da sua meta, nem do nível de ambição. Será uma meta de reduções de emissões absoluta, será uma meta de redução de emissões de intensidade de carbono na economia, será uma meta de reduções de emissões que representa uma redução em relação a uma trajetória de emissões projetadas para o futuro? Essa natureza ainda não foi definida.

Como consequência, não temos a menor noção do grau de ambição que virá, embora o Brasil seja um país que tem, com certeza, muito potencial para reduzir emissões em diferentes áreas, como florestas, agricultura e mesmo em energia, com ganhos para nossa economia. Por conta disso, o Brasil não deveria temer colocar na mesa um compromisso ambicioso, achando que isso irá representar um fardo para a economia. Deveríamos olhar para as oportunidades que teríamos de promover ajustes na economia desde agora, já que estamos falando em 2020, e a transição daqui para 2020 demanda uma série de ações.

"O Brasil está entre os países cujos compromissos terão um impacto grande na conta do acordo de Paris"

IHU On-Line - Qual é a importância do Brasil para a negociação, especialmente em relação ao impasse da divisão dos países nos grupos do Anexo I e Anexo II?

Carlos Rittl – Extremamente importante. É possível analisar por dois aspectos. O primeiro deles é o aspecto diplomático. Como já mencionei, o Brasil propõe uma nova diferenciação entre grupos de países, os quais teriam a possibilidade de assumir compromissos de naturezas distintas: os menos desenvolvidos teriam metas menores, e começariam a implementar algumas políticas; os grandes países em desenvolvimento poderiam assumir compromissos de redução de emissão absoluta ou de intensidade de carbono; e os países desenvolvidos poderiam assumir metas de redução de emissões absoluta.

Essa proposta de diferenciação é interessante, então do ponto de vista da diplomacia, o Brasil sempre contribui com boas e importantes propostas. Mas do ponto de vista da ambição climática e da emergência climática — e considerando ainda que o Brasil é um dos grandes emissores mundiais, mesmo com as reduções de emissões por conta da redução da faixa de desmatamento na Amazônia — as emissões ainda são altas. E por conta disso, a meta que o Brasil colocar na mesa será importante para somarmos junto aos esforços e compromissos dos outros países, para ver se conseguiremos fechar esta conta do clima.

Fechar a conta do clima significa colocar o mundo em uma trajetória de redução de emissões que permita maiores chances de permanecer dentro do limite de aquecimento global de dois graus. Hoje estamos muito distantes disso. Se o Brasil colocar um compromisso compatível com sua responsabilidade — podemos colocar um número ambicioso na mesa, para nós do Observatório do Clima isso significa termos emissões muito menores do que as atuais em 2030, talvez 30% a 40% menores —, poderá mobilizar outros países a fazerem o mesmo. E isso pode dar um impulso importante para a negociação e para o aumento do nível de ambição até Paris e depois de Paris.

Agora, se ficarmos nos mirando em outros países e acharmos que temos o direito de poluir e que ao invés de nos desenvolvermos de uma maneira mais limpa, poderemos continuar destruindo as nossas florestas, continuar investindo mais e mais em combustíveis fósseis e continuar com a nossa pecuária muito pouco eficiente e com grandes emissões de metano, isso poderá ter um impacto negativo para as negociações, porque outros países vão se mirar no Brasil e continuarão fazendo pouco.

O Brasil é ator importante, lógico que em termos de nível de emissões há outros que são maiores emissores históricos e maiores emissores atualmente, como Estados Unidos e China, mas o Brasil está entre os países cujos compromissos terão um impacto grande na conta do acordo de Paris.

IHU On-Line - Pode nos apresentar um balanço do percentual das emissões de gases de efeito estufa por conta da energia e agropecuária — que vêm subindo — e do desmatamento?

Carlos Rittl – Em termos de reduções absolutas — tudo que é jogado na atmosfera, sem considerar o que a regeneração florestal e o crescimento de uma floresta secundária retiram de carbono da atmosfera e outras ações de plantios de floresta —, no passado, na época em que o Brasil produziu seu primeiro inventário, no caso de efeito estufa, que tinha dados entre 1990 e 1994, o desmatamento representava 2/3 das emissões totais de gás de efeito estufa do Brasil. Embora tenha havido uma redução das taxas de desmatamento, essa ainda é a principal fonte de emissões, que representa algo em torno de 37% das emissões totais. Além disso, as emissões dos outros setores foram crescendo. As emissões de energia hoje representam 30% das emissões totais do Brasil e as de agropecuária em torno de 26%, 27%. Nós estamos falando de um total de 1,56 bilhão de toneladas de dióxido de carbono equivalente. A tendência é que as emissões de energia ultrapassem as emissões de desmatamento nos próximos anos.

Aumento das emissões

O que explica o aumento das emissões no setor de energia é o aumento do consumo de combustíveis fósseis na nossa matriz de transporte, a queda no consumo de etanol e um aumento muito grande do consumo de gasolina desde 2008/2009. Associado a isso, nos últimos anos, com o acionamento das termelétricas a combustíveis fósseis, gás natural, carvão mineral, óleo combustível, óleo diesel e todas as fontes fósseis, as emissões do setor de eletricidade também vêm crescendo. Elas ainda têm uma participação menor do que as emissões de transporte, mas vêm crescendo em uma velocidade significativa.

"Deveríamos repensar muito nossos rumos de desenvolvimento num momento em que o mundo inteiro está pensando em como solucionar o problema do clima"

Então, isso nos levou, no ano de 2013 — que são os dados mais recentes que o Observatório do Clima produziu —, a um aumento de 7,3% das emissões do setor de energia, em um ano que nosso crescimento econômico foi muito próximo de zero, ou seja, nós quase não tivemos crescimento econômico e as emissões do setor de energia subiram significativamente. Junto com o aumento da taxa de desmatamento da Amazônia de 29% em relação ao ano de 2012, o Brasil teve, como um todo, um aumento das suas emissões anuais em 7,8%. Isso significa que nós ainda não resolvemos o problema do desmatamento e estamos destruindo florestas mais do que qualquer outro país, se considerarmos a Amazônia e o Cerrado. Também estamos investindo muito em combustíveis fósseis e abrindo mão do nosso potencial de energias renováveis, seja na matriz de combustíveis, seja na matriz de energia como um todo ou na matriz de eletricidade, onde avançamos em algumas áreas como a energia eólica, mas deixamos de aproveitar um potencial enorme em diferentes fontes, como a biomassa da cana-de-açúcar, biomassa florestal de resíduos de madeira, em energia solar, e estamos apostando todas as nossas fichas nas áreas de energia do pré-sal.

Deveríamos repensar muito nossos rumos de desenvolvimento num momento em que o mundo inteiro está pensando em como solucionar o problema do clima e se desenvolver de uma maneira mais limpa. Para acrescentar, além de tudo isso, temos uma pecuária média muito pouco eficiente no Brasil — por exemplo, na Amazônia tem menos de um animal por hectare em média, ou seja, dez mil metros quadrados de pastagem para um único boi. Isso é pouco eficiente e gera muitas emissões de metano. Além disso, parte da pecuária, depois de cinco ou seis anos, avança sobre novas áreas de florestas, levando mais desmatamento e contribuindo para um ciclo que é vicioso, que mantém as emissões altas e com impactos altos da agropecuária. Então, nas três áreas — em florestas, em energia renovável, agricultura/agropecuária —, temos muito potencial para redução de emissões e com ganhos para o país.


IHU On-Line - Gostaria de acrescentar algo?

Carlos Rittl – Acho que é muito importante que toda a sociedade brasileira esteja atenta àquilo que o governo brasileiro pretende definir como seu compromisso de redução de emissões no âmbito desse novo acordo, por conta daqueles aspectos mencionados no começo da nossa conversa. O Brasil é um país muito vulnerável aos impactos das mudanças climáticas. Além disso, nós temos, como mencionado, potencial para redução de emissões, talvez mais do que muitos países do mundo e com ganhos econômicos. Nós podemos e devemos pensar qual é o maior benefício para o país no âmbito deste processo de negociação. O melhor papel que podemos desempenhar é colocar um compromisso que seja aquilo que aproveita o maior e o melhor do nosso potencial de redução de emissões, que vai ajudar a reduzir as emissões globais e que vai ajudar a reduzir nossa vulnerabilidade, porque os impactos das mudanças climáticas seriam menores, e um grau de aquecimento global inferior ao que nós projetamos hoje.

Nós estamos em uma trajetória de aquecimento global de 4º graus célsius, e isto teria impactos devastadores para todo planeta e para tantas regiões aqui do Brasil. Se hoje nós já sofremos, sofreremos muito mais se não fizermos nada. Precisamos estar atentos e precisamos cobrar do governo brasileiro um compromisso compatível com a nossa responsabilidade, com o nosso potencial.

Por Patrícia Fachin

 

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Terça, 24 de março de 2015




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