{ListaRepea} Estado esvazia comitês de bacias / A lógica invertida da mercantilização

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JORNAL DA UNICAMP

Campinas, 24 de abril de 2015 a 10 de maio de 2015 – ANO 2015 – Nº 623

Estado esvazia comitês de bacias

Centralização do governo desencadeia crise institucional no campo da gestão da água, alerta especialista

Texto: Carlos Orsi

Fotos: 

Antônio Scarpinetti

Antoninho Perri

Edição de Imagens: Fábio Reis

 

A forma centralizadora com que o governo paulista vem lidando com a crise hídrica está produzindo uma “crise institucional, uma crise de poder” e a perda de credibilidade das estruturas existentes para a gestão da água no Estado de São Paulo, principalmente dos comitês de bacias hidrográficas, disse ao Jornal da Unicamp o pesquisador José Teixeira Filho, especialista em gestão de recursos hídricos e diretor da Faculdade de Engenharia Agrícola (Feagri) da Universidade.

Um comitê de bacia hidrográfica é um órgão colegiado, integrado por representantes do Estado, dos municípios e da sociedade civil, incluindo usuários de recursos hídricos, da área atendida. No caso da crise do Sistema Cantareira, estão envolvidas as bacias dos rios Piracicaba-Capivari-Jundiaí e Alto Tietê. “Os comitês de bacia são os responsáveis pela gestão, por cuidar das bacias”, disse Teixeira Filho. No entanto, afirma o pesquisador, os comitês foram alijados do processo de tomada de decisão sobre o enfrentamento da emergência atual.

 

“Quando o governo do Estado cria seu comitê de gestão da crise, os comitês de bacia são deixados de fora”, relata. “O que estranho, também, é que os comitês de bacia não se manifestaram de uma forma muito dura, muito clara, sobre a importância de sua participação, de sua experiência acumulada”.

 

Criado em fevereiro, o comitê da crise hídrica envolve, principalmente, secretarias estaduais, como a de Recursos Hídricos, Saúde e Meio Ambiente, e empresas de saneamento básico da região metropolitana de São Paulo. 

 

Teixeira Filho lembra que os comitês têm experiência de vários anos na gestão das bacias, no debate dos problemas de escassez e de qualidade da água, além de um acesso direto à sociedade civil. “O governador não tem esse acesso”, disse.

 

“Acho que essa centralização está gerando um incômodo, e esse incômodo terá que ser discutido com o go-vernador do Estado após a crise. Nós temos um problema de crise institucional: não temos só uma crise da água, temos uma crise institucional, da gestão da água. Essa gestão passou a ser centralizada, quando o princípio do comitê é descentralização e participação nas decisões. Quando se concentram as decisões, a tendência é aumentarem os conflitos”.

 

 

PACTO E CONFLITO

O especialista lembra que os comitês têm uma prática constante de negociação com a sociedade e de formação de pactos e consensos, e dá como exemplo a cobrança pela captação de água – não apenas pelo uso da água já tratada e distribuída por uma concessionária, mas pela captação da água bruta, para uso, por exemplo, em atividades industriais ou agrícolas. 

 

“O pagamento do uso da água, e os valores cobrados, isso também foi pactuado, foi negociado no comitê, que tem uma grande facilidade de contato com a sociedade civil. O governador não tem, mas o comitê tem”.  Teixeira Filho acredita que seria muito mais fácil negociar com os usuários reduções de consumo e economias de água “com um personagem que está próximo, não que está muito distante”. “E quem está próximo aos consumidores é o comitê de bacia, não é o governador do Estado”. 

 

O diretor da Feagri teme que a centralização da resposta à crise tenha abalado a credibilidade da estrutura atual de gestão da água, na qual os comitês de bacia têm, ou deveriam ter, um papel central. “Talvez haja a necessidade de um novo pacto. Porque o comitê de bacia trabalha sistematicamente com a credibilidade. O comitê não gera obrigações legais: os resultados de suas negociações são implementados porque as deliberações têm credibilidade”, disse.

 

“No momento em que se quebra isso, cria-se uma situação grave. Nós vamos ter que refazer o pacto entre a sociedade civil e o governo do Estado. Porque existia um acordo, de que o governo aceita as decisões do comitê. Se, quando surge uma emergência, ele tira o comitê do processo de tomada de decisões, isso sinaliza que ele não acredita que o comitê seja legítimo para atender a essas demandas. Isso é grave, é muito ruim”. 

 

Teixeira Filho diz ainda que, além do peso político, os comitês de bacia têm uma competência técnica que foi desprezada pelo governo. “Esses grupos trabalham, já há mais de 20 anos, com a questão da gestão das águas. Se debruçam sobre esse assunto. Nada mais justo que essas pessoas, que têm essa experiência, que têm esse envolvimento, sejam chamadas pelo governador do Estado e tenham uma participação”. 

 

“No momento em que se tem essa situação de crise, de excepcionalidade, não dá para abrir mão da experiência, do conhecimento local”, disse. “Então isto mostrou uma fragilidade do sistema de gestão. Acredito que o governador do Estado foi muito infeliz nessa parte, de deixar de lado essa experiência”.

 

Ele não acredita que a rapidez necessária para reagir a uma situação de crise justifique a exclusão dos comitês do processo. “Porque a estrutura já está montada, você tem os representantes, a qualquer momento pode chamar uma assembleia extraordinária, enviar informações aos representantes para que possam repartir isso com seus representados. A questão do tempo não seria uma justificativa. Porque tudo isso já estava montado, muito bem montado e muito bem estruturado”.

 

A questão da água, disse ele, não é num problema técnico. “Quanto à questão técnica, nós temos pessoas da maior capacidade, que podem dar boas respostas. O problema não é técnico, é como se encaminham as decisões. Pode-se encaminhá-las com mais ou menos conflito”.

 

MANEJO

 

A causa imediata da crise hídrica atual é a seca – as chuvas muito abaixo da média – disse Teixeira Filho, mas isso não é motivo para que os comitês de bacia descuidem da atenção para com o uso do solo e a gestão da qualidade da água. Ela dá um exemplo da complexidade das questões envolvidas.

 

“Na bacia do Rio Piracicaba, havia uma proposta de que todos os cursos d’água passassem a ter classe 2”, disse ele, explicando que há quatro classes de qualidade de água, sendo a classe 1a da água que pode ser distribuída para consumo humano com um mínimo de tratamento e a 4, a água imprópria para abastecimento.

 

“Hoje, em algumas seções de captação, em municípios da bacia do Piracicaba, estamos em classe 3. O objetivo era passar isso para classe 2, num horizonte próximo. Para isso, foi feito um esforço enorme do comitê de bacia no tratamento do esgoto. Só que o que estamos observando é que todo esse esforço não garante que possamos ter classes 2 em todos os cursos d’água. Então, há necessidade de uma outra abordagem”.

 

Essa abordagem envolve intervenções nas regras que regem as atividades industriais e agrícolas que acontecem ao longo da bacia. “Principalmente na parte agrícola, onde temos que alterar, muitas vezes, o manejo, regulamentar o manejo de algumas atividades, ou mesmo fazer com que algumas atividades, infelizmente, não sejam mais permitidas na região”, disse. “O comitê deve se debruçar, nos próximos anos, para estudar regras e regulamentos para que esses processos, não só na parte agrícola, mas também industrial, comecem a se organizar mais para a preservação da qualidade de água. Não só da quantidade, mas da qualidade de água”.

 

AGRICULTURA

O pesquisador nega que haja desperdício deliberado de água na agricultura praticada ao longo da bacia do Piracicaba – o uso agrícola chegou a ser citado como um dos “culpados” pela crise no abastecimento urbano desencadeada pela seca recente.

 

“O que talvez nós tenhamos que melhorar, são os rendimentos e os processos”, disse ele. A redução do consumo de água é possível. Mas esse esforço está sendo realizado por vários setores produtivos na bacia do Piracicaba desde 1995. “Porque já se sabia que, na implementação da nova politica de gestão de recursos hídricos, viria o pagamento pelo uso da água”, relatou. “Então, vários setores produtivos vêm fazendo um esforço de reduzir a quantidade de água usada. Isso é importante a população saber”. 

 

Ele lembra que a cultura da cana-de-açúcar não é irrigada, mas exerce uma interferência indireta na disponibilidade de água, ao gerar “caminhos preferenciais” que fazem com que água fique menos tempo na superfície do solo, reduzindo a quantidade de água infiltrada que chega aos reservatórios subterrâneos. “Por isso falo em regulamentação: temos que começar a pensar em qual a situação mais indicada no manejo da cana, como aumentar as condições de infiltração e assim garantir que a água esteja disponível na estiagem”.

 

Quanto ao impacto da agricultura na qualidade da água, Teixeira Filho diz que é importante regulamentar e orientar corretamente os agricultores quanto ao uso de insumos como defensivos agrícolas. “É complicado, por exemplo, usar produtos sem ter segurança climática, das condições do tempo. Se há uma previsão de chuva em 24 horas, 48 horas, não se deve usar o produto”, pois ele pode ser carregado para os cursos d’água antes mesmo de se mostrar efetivo. 

 

“É preciso oferecer uma assistência técnica mais intensiva para os pequenos produtores. Chamo de pequenos produtores aqueles que não têm, muitas vezes, uma programação prevista, e sim corretiva – onde há a identificação de problema e depois a correção. Uma ação preventiva seria muito mais interessante e de um custo menor, não só econômico como ambiental”. Detalhes como a manutenção dos equipamentos que disseminam o produto sobre a plantação, para que o tamanho da gota seja o ideal, também fazem uma grande diferença no aspecto ambiental. “Se você não tem essa calibração correta e aumenta o tamanho da gota, aumenta-se também o que chamamos de deriva: a quantidade de substância que não atinge o alvo. E fica no ambiente, para ser transportada. Tudo isso prejudica a qualidade da água”.

 

“Os manejos do solo, a perda de solo agrícola, são questões que são importantes, que no futuro, principalmente na bacia do Piracicaba, serão objeto de discussão intensa. Mas esses regulamentos, eles devem ser pactuados e negociados com a sociedade civil”, ponderou o pesquisador, trazendo à tona, mais uma vez, o importante papel de mediação dos comitês de bacia. “Sabendo das situações negativas que podem vir disso, que é o caso de aumento do custo da produção, mas com um benefício maior da sociedade: da qualidade de vida melhor, uma perspectiva de saúde pública melhor. E redução no custo do tratamento de água mais adiante, sem dúvida”.

 

“Todas essas questões são conhecidas pelo comitê de bacia”, insistiu. “São discutidas no dia a dia. Elas aparecem a partir dos representantes que compõem o comitê, que trazem suas preocupações. Há uma experiência acumulada nesses anos, e é importante que ela seja utilizada pelos gestores públicos, pelos tomadores de decisão”.

 

 

 

http://www.unicamp.br/unicamp/ju/623/logica-invertida-da-mercantilizacao

 

Campinas, 24 de abril de 2015 a 10 de maio de 2015 – ANO 2015 – Nº 623

 

A lógica invertida da mercantilização

Para economista, companhias de abastecimento priorizam lucros imediatos e não investem em saneamento

Texto: Carlos Orsi

Fotos: Antônio Scarpinetti

Edição de Imagens: Fábio Reis

 

Uma lógica mercantil, voltada para a produção de lucros e dividendos imediatos, em detrimento de objetivos de longo prazo, e a ausência de uma política nacional articulada de saneamento estão entre as causas da crise hídrica vivida pelo Estado de São Paulo, principalmente no Sistema Cantareira, que abastece a capital, afirma o professor Eduardo Fagnani, do Instituto de Economia (IE) da Unicamp. “Se você observar os dados da Sabesp agora, ela continua dando lucros enormes, que ela distribui aos acionistas”, disse Fagnani. “Como o maior acionista é o Estado de São Paulo, o que acontece? Uma inversão da lógica social: em vez de o Estado financiar, via arrecadação de impostos, o saneamento, o que acontece é o lucro da Sabesp financiar o Estado”. 

 

A Sabesp, ou Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo, é uma empresa de capital aberto e ações negociadas em bolsa. O governo paulista detém o controle da empresa, com 51% das ações. O restante das ações é detida por grandes grupos financeiros internacionais e nacionais.  

 

Na opinião do pesquisador, a distribuição de dividendos, somada ao monopólio do saneamento – os clientes da Sabesp não podem simplesmente trocar de fornecedor, caso estejam insatisfeitos com o serviço – ajuda a explicar a ausência de investimentos que poderiam ter mitigado a crise desencadeada pela seca recente. “O desperdício de água no Japão é 3%, na Alemanha é 5%, em São Paulo, na Sabesp, é 35%. E por que a Sabesp não investiu nisso? Em reduzir a perda de 35% para 10%? Por que a Sabesp, nos últimos 20 anos, não investiu, por exemplo, na redução dessas perdas?”, questiona Fagnani, para logo em seguida sugerir uma possível resposta: 

 

“O saneamento, em geral, é monopólio. Quer dizer, não tem concorrência – então, por que eu vou investir? Porque, o investimento reduz a parcela de dividendos que anualmente é distribuída aos acionistas”, argumenta.  

 

“Se tivessem investido para redução de perdas, provavelmente a Cantareira não estaria no problema em que está. Mais de um Cantareira é jogado fora em perdas e ineficiências da gestão privada. Por que acontece isso? Há vários motivos, mas com certeza, eu acho que também tem a ver com essa lógica privada e a pressão pela distribuição do lucro aos acionistas”.

 

NEOLIBERALISMO

 “A privatização está ligada à agenda neoliberal que passou a ser hegemônica no mundo a partir de 1980, quando a ideia é a seguinte: reduz o Estado; o Estado regula; e, o mercado opera. Você abre a economia para que as empresas internacionais venham atuar no Brasil”, disse Fagnani. 

 

“A justificativa era que o Estado estava quebrado, o setor privado era eficiente e tinha recursos para investir. Mas isso era só um discurso: na verdade, isso se dá para responder às necessidades do capital financeiro. O capital financeiro busca valorização, e obtém isso onde? Entrando num setor que é essencialmente público; e o saneamento não fugiu à regra”. 

 

O pesquisador relata como, no caso brasileiro, as empresas estaduais de saneamento básico, criadas durante a ditadura militar, foram sucateadas ao longo do período de inflação alta dos anos 80, até que a privatização ou abertura de capital aparecesse como uma espécie de tábua de salvação do setor, na década seguinte. 

 

SUCATEAMENTO

“Em 1971 a ditadura cria o Planasa, Plano Nacional de Saneamento. Esse plano cria, em cada Estado, uma concessionária estadual, e obriga os municípios a entregar a concessão para a concessionária estadual. Os municípios foram obrigados, pela ditadura militar”, explica Fagnani. “Quem não desse a outorga às concessionárias estaduais era penalizado, não tinha direito a certos financiamentos, havia uma coerção. Como resultado, 90% dos municípios brasileiros fizeram isso”.  Essas concessionárias passam a ser, então, o carro-chefe do saneamento básico no Brasil. 

 

 

“Essas empresas, aí que está um equívoco, também tinham que ser lucrativas: a própria receita da tarifa tinha que sustentar a empresa e os investimentos”, disse Fagnani. “Isso é que vai explicar, em parte, por que essas concessionárias estaduais  ampliaram mais a rede de  distribuição de água do que coleta e tratamento de esgoto: porque elas tinham de dar lucro, e o investimento em distribuir água é mais barato e o retorno é mais rápido. E, seguindo a lógica financeira, não se vai atender onde a demanda é mais necessária socialmente, vai-se atender onde é mais rentável, onde o retorno sobre o capital é maior. Então, durante a ditadura militar você expande a água, mas a coleta de esgoto fica estacionada”.  Ainda hoje, em pleno século 21, lembra Fagnani, menos de 50% da população vive em residências com coleta de esgoto; e, mais da metade do esgoto coletado não é tratado, sendo despejado no mar e nos rios. 

 

Com a crise econômica e a hiperinflação dos anos 80, o governo passa a administrar as tarifas cobradas pelas empresas estatais, incluindo as de saneamento, como modo de tentar conter a alta inflacionária. “Então a inflação era 100, você podia aumentar 60, digamos”, exemplificou o pesquisador.  “Depois de cinco, seis anos assim, as estatais desmoronaram. E isso vai acontecer durante os anos 80 como um todo. Aí vem o sucateamento: não se investe nem em saneamento, nem em água, nem em infraestrutura – e, quando chega a década de 90 com o neoliberalismo, o prato está feito: dizem,’ veja, está tudo sucateado, as empresas dão prejuízo, o Estado é ineficiente, etc., melhor privatizar’. Mas ninguém quer saber por que elas davam  prejuízo”.

 

No Estado de São Paulo, a onda de privatizações e de abertura de capital chega também às concessionárias municipais que haviam resistido ao Planasa. “E o que se privatiza é o filet mignon, certo? Você vai privatizar Limeira, Itu, e Ribeirão Preto, por exemplo: cidades que já tinham infraestrutura, já tinham uma situação de saneamento muito melhor que outras. O setor de saneamento básico, no Brasil, é isso: teve esses quinze anos de regime militar, depois a crise e, nos anos 90, privatiza. Privatiza ou sucateia o que restou do Estado”.

 

 

PLANEJAMENTO

O produto dessa história, diz Fagnani, é um setor que, rigorosamente, nunca foi alvo de uma política nacional pública pensada para o longo prazo, mas viveu submetido a uma lógica de rentabilidade imediata. “Quando chega em 2007, 2008, o governo apresenta o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), que incorpora a questão do saneamento, o que traz um aumento do investimento federal no setor”, disse o pesquisador. “Mas a nova política nacional de saneamento básico só é aprovada em 2012. É uma política, do ponto de vista da lei, interessante, uma tentativa de se pensar o saneamento como um problema nacional”. 

 

O problema, segundo Fagnani, é que a lógica do PAC – de liberação de recursos mediante a aprovação de projetos de investimento – não é exatamente compatível com as necessidades do programa de saneamento. “Grande parte dos municípios que mais precisam não tem capacidade de fazer isso, montar um projeto. Tem uma lógica de financiamento que é melhor do que antes, sim, mas ainda não contempla o sistema nacional como um todo, o planejamento do setor, um diagnóstico das carências nacionais e regionais. Houve uma tentativa de reformular uma política nacional de saneamento, que demorou muito tempo para sair e que não tem avançado”.

 

FUTURO

Fagnani não vê uma solução simples para o dilema do saneamento básico no Brasil, dividido entre um setor privado voltado para a lucratividade e um setor estatal subfinanciado e sucateado. 

 

Ele afirma que as privatizações e aberturas de capital tiraram dos governos a capacidade de fazer política pública no setor. “Acho que o governo nem tem mais instrumentos para fazer um grande plano. As estatais tinham seus problemas, mas eram instrumentos de política econômica. Você vê essa questão no setor de energia elétrica: sendo do Estado, ela gera energia, gera tarifa e receita. Com essa receita, pode contratar investimento privado, financiar uma construção de hidrelétrica, por exemplo. Quando privatiza, perde-se isso. E aí o que acontece quanto se tem de investir em infraestrutura? Concessão para o setor privado. Mas aí você tem só quatro ou cinco grandes empresas capacitadas, e fica na mão delas”. 

 

No caso da água, a situação se agrava, por conta do monopólio das concessionárias e do fato de que se trata de um item essencial para a vida. “Do ponto de vista da concessionária privada, ela cobra a tarifa e, se não fizer mais nada, já dá lucro. E a lógica privada é o lucro. Não é outra. Quem vai fazer um investimento de grande porte? Não é a concessionária privada. É o Estado. O setor privado vai fazer investimentos pesados para buscar água? Não acredito. O que você tem é ou o Estado sucateado, ou uma lógica privada antagônica a um projeto para o país. E esse é o retrato de 500 anos de saneamento no Brasil”.

 

 

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