Desde os anos 1990, grandes fornecedores de insumos tornaram-se também um dos principais financiadores da produção de grãos no Brasil. Passaram a entregar fertilizantes, sementes e defensivos em troca do compromisso da entrega de soja - as chamadas operações de "barter" -, compensando a escassez de crédito bancário.
Mais recentemente, Syngenta, Bayer, Basf, DuPont e Pioneer decidiram ir além: agora, elas se mostram dispostas a oferecer serviços em áreas como logística, gestão, sustentabilidade e capacitação de funcionários. Em busca da fidelidade (e do coração) de clientes estratégicos, a indústria passou a ajudar até no processo de sucessão nas fazendas, diante do movimento inexorável de fuga dos herdeiros para a cidade.
"O desafio é compreender que as necessidades do agricultor vão muito além do que os nossos produtos podem oferecer. É uma relação que vai além da tecnologia. É de serviço, interação, reconhecimento. É preciso estabelecer proximidade", diz Laercio Giampani, presidente da Syngenta no Brasil. Estimativas da indústria mostram que os grandes produtores rurais brasileiros - um grupo de algumas centenas de um total de mais de 100 mil - respondem por pouco menos de um terço das vendas de insumos no país, o que justifica a atenção especial.
Para entender o que querem esses clientes endinheirados (além de preços mais baixos), as empresas lançam mão de pesquisas e do próprio retorno que obtém das conversas com seus distribuidores, revendas e clientes diretos. A partir daí identificam os principais gargalos e criam planos de ação. Como ocorre em outros setores, o planejamento de longo prazo é uma demanda comum. Na esteira da expansão do campo nas últimas décadas, que transformou pequenos agricultores em grandes empresários, vieram os desafios de gestão de propriedades gigantescas, do gerenciamento humano de centenas de funcionários e as questões tributárias. A entrada de filhos, noras e genros no negócio também passou a afligir os agricultores "top" brasileiros.
Este foi um dos caminhos escolhidos pela Syngenta para estreitar laços com um grupo de aproximadamente 600 produtores de elite, chamados de "clientes OTO" (One to One). Há quatro anos, a múlti criou o programa "Academia de líderes", destinado a preparar os filhos de fazendeiros para a sucessão e estimular seu interesse pelo negócio. Durante quatro semanas ao longo do ano, a Syngenta reúne um grupo de potenciais sucessores em São Paulo para uma imersão em assuntos como administração, governança e ambiente com professores de algumas das principais escolas de negócio do país. O grupo também participa de uma viagem ao exterior, para dias de estudo em grandes universidades. Ao todo, 80 herdeiros já se formaram nessa "academia".
Na mesma linha, a Pioneer, divisão de sementes da DuPont, criou o "Geração após Geração". Desde 2006, realizou encontros anuais com 300 herdeiros para discutir a relação deles com o campo e os fundadores de seus impérios - os pais. Isolados num hotel, tiram dúvidas e recebem consultoria para tentar resolver problemas, em um trabalho de alto cunho emocional. Ali descobrem dificuldades comuns com seus pares. "Os filhos têm a informação, mas não a vivência do campo", diz Cláudio Peixoto, diretor de marketing corporativo da Pioneer Brasil. "A sucessão virou um grande tema entre nossos clientes atualmente".
A gama de serviços oferecidos aos grandes fazendeiros é mais ampla. A Syngenta, por exemplo, coloca à disposição dos clientes OTO um profissional para avaliação técnica das lavouras quatro vezes por mês. Após cada visita, o técnico envia um relatório de recomendações para o dono e o gerente da propriedade rural.
Alguns desses benefícios são oferecidos por meio de um sistema de pontos, semelhante aos programas de milhagem das companhias áreas: quanto mais o cliente compra da companhia, mais serviços recebe. É o caso do programa "Cada vez mais Basf", criado em 2002 pela companhia alemã, e o "Agriservice", desenvolvido em 2011 pela rival Bayer Cropscience, que oferece consultoria em áreas diversas como gestão, tecnologia, logística, sustentabilidade, capacitação de funcionários.
"Temos uma agricultura pujante, mas falta eficiência e gestão no negócio. Há muito a ganhar aí", afirma Gerhard Bohne, diretor de Operações de Negócios da Bayer.
As empresa também exploram ações de relacionamento. Há seis anos, a DuPont leva clientes graúdos ou promissores para visitar suas instalações em Wilmington, nos EUA. A intenção é que entendam melhor a empresa, comprovem sua grandiosidade e compromisso de investimento em tecnologias de ponta. Desde 2010, passou a levar grupos de até 120 agricultores para as grandes feiras do agronegócio americano, como a Farm Progress, e a seus clientes locais, de forma que pudessem trocar experiências de campo. "Isso desperta muito a curiosidade dos brasileiros", diz Marcelo Okamura, diretor de marketing de Defensivos Agrícolas da DuPont.
A imagem negativa do agricultor nas grandes cidades surgiu como outra preocupação, independentemente do tamanho do cliente. "As pessoas da cidade acham que os agricultores são todos latifundiários que não respeitam o ambiente", diz Eduardo Leduc, vice-presidente de Proteção de Cultivos para a América Latina da Basf. O produtores, por sua vez, sentem-se ressentidos por não terem seu árduo trabalho no campo valorizado pela cidade.
De olho nesse incômodo, a Basf patrocinará o samba enredo da escola de Vila Isabel, no carnaval carioca deste ano, com o tema "Brasil, celeiro do mundo - água no feijão que chegou mais um". Na estratégia de relacionamento e fidelização de clientes (que inclui consultoria de gestão e viagens turísticas à Europa aos melhores compradores), a companhia alemã levou mais de mil agricultores ao Rio de Janeiro em 2012 para assistir aos ensaios da escola no fim de semana. No Carnaval, levará outros 800 a seu camarote.
"Passamos a ter de cuidar do cliente", diz Leduc. "Um problema dele, seja administrativo, de imagem ou sucessão, é nosso também".
O empenho em ajudar trouxe bons resultados. Segundo a empresa, as vendas para os clientes contemplados em suas ações de relacionamento cresceram 65%. Na Syngenta, a participação de mercado da companhia entre os clientes OTO é 10 pontos percentuais maior do que no restante do mercado.